quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Sonho da ''revolução'' do biodiesel de mamona chega ao fim no Piauí e promove desmatamento.

Com a frustração da experiência, agricultores abandonam as
terras e sobrevivem da doação de cestas básicas

Ribamar Oliveira e Wilson Pedrosa escrevem para “O Estado
de São Paulo”:

Depois de três anos, o sonho do presidente Lula de produzir
biodiesel de mamona parece ter chegado ao fim. Ao colherem
este ano uma safra irrisória, os pequenos agricultores do
projeto Santa Clara, localizado entre as cidades de Canto
do Buriti e Eliseu Martins, no sul do Piauí, sobrevivem de
favores, de cestas básicas, e estão convencidos de que
plantar mamona não é um bom negócio.

A própria empresa Brasil Ecodiesel, encarregada do
empreendimento, já procura alternativas à mamona e passou a
fazer experimentos na região com outras plantas, como o
girassol e o pinhão manso. Mas as iniciativas são
preliminares, pois ainda faltam conhecimentos técnicos mais
profundos sobre as culturas alternativas.

Como resultado do fracasso do empreendimento, a usina de
produção de biodiesel mantida pela empresa em Floriano, a
260 quilômetros de Teresina, capital do Piauí, está em
ritmo lento e vem utilizando basicamente a soja como
matéria-prima, na ausência da mamona. No projeto Santa
Clara, a imagem é de abandono, com muitas famílias deixando
a área e as casas, construídas no início do projeto,
desocupadas e destelhadas.

Primeira colheita - No dia 4 de agosto de 2005, Lula
participou da primeira colheita de mamona no projeto Santa
Clara, que serviria de modelo para a integração da
agricultura familiar ao programa do biodiesel. Na época, o
entusiasmo do presidente era grande. Ele chegou a dizer aos
pequenos agricultores presentes na solenidade que era
possível fazer "uma revolução" a partir da mamona. A
realidade, porém, mostrou-se bastante diferente do sonho
vendido pelo presidente.

"Não colhi mamona nenhuma este ano", disse o agricultor
Pedro José de Souza Filho, que guarda uma foto de Lula,
quando o presidente visitou a sua modesta casa, durante a
solenidade da colheita de 2005. "Só colhi mesmo dois sacos
de feijão." E Pedro não foi o único que não colheu nada ou
quase nada.

No início do ano, uma praga de lagartas dizimou os
primeiros plantios de mamona do assentamento. A empresa
Brasil Ecodiesel, parceira dos agricultores no
empreendimento, foi obrigada a fazer o replantio. Mas não
houve tempo. Em algumas áreas, a empresa chegou a arar a
terra, mas a maior parte ficou sem plantio, o que afetou o
rendimento dos agricultores.

O montante da safra deste ano ainda não é conhecido, mas as
evidências indicam enorme frustração. "A safra de 2008 foi
um desastre", disse Lino Hipólito Neto, um dos líderes dos
agricultores. Ele próprio não colheu sequer uma saca de
mamona. A empresa Brasil Ecodiesel informou ao Estado que
"os volumes são relativamente baixos frente ao tamanho do
projeto de agricultura familiar que a empresa desenvolve no
Brasil, com cerca de 30 mil famílias". Os agricultores, que
são chamados de "parceiros", dizem que a produção vem
caindo ano após ano.

Em 2005, o primeiro ano do empreendimento, a colheita foi
excepcional. Um levantamento feito pelos próprios
agricultores indica que a safra do ano em que Lula visitou
o empreendimento foi de 1,8 mil toneladas. No ano seguinte,
a produção caiu para 1,2 mil toneladas. Em 2007, ano de
pouca chuva, a produção caiu para somente 643 toneladas.
Este ano, acredita-se que a colheita não tenha chegado à
metade daquela obtida no ano passado.

A expectativa da empresa Brasil Ecodiesel era que cada
parceiro conseguisse uma produtividade de pelo menos uma
tonelada de mamona por hectare. "Em 2005, alguns parceiros
chegaram a colher 2 toneladas por hectare", lembrou Lino
Neto. Mas a produtividade foi caindo a cada ano, por causa
de uma série de fatores, incluindo a falta de correção do
solo e a piora na qualidade das sementes utilizadas,
segundo informaram os agricultores.

Células - O projeto Santa Clara impressiona por suas
dimensões. No início, eram 665 famílias distribuídas em 19
assentamentos, chamados de "células". Cada uma das famílias
ganhou um lote de 8,5 hectares. Deste total, 5 hectares
deveriam ser destinados ao plantio da mamona e 2,5 hectares
ao plantio do feijão.

A empresa ficaria com 30% da produção de cada "parceiro"
para cobrir os seus custos com o empreendimento e os
adiantamentos de dinheiro feitos aos agricultores. Não
seria permitido o cultivo de qualquer outro produto na
área. Apenas um hectare ficaria para que o "parceiro"
pudesse cultivar o que desejasse. Mas essa regra não foi
seguida por todos. Como o cultivo da mamona não apresentou
os resultados esperados, alguns agricultores passaram a
plantar mandioca e milho para aumentar sua renda. A empresa
terminou aceitando a solução.

Porém, mesmo com essa flexibilização, a sobrevivência dos
"parceiros" está dependendo da boa vontade da Brasil
Ecodiesel, que paga R$ 164 por mês para cada família e
ainda distribui uma cesta básica. Mas isso é um favor
prestado pela empresa, pois não está no contrato, e os
agricultores não sabem como irão um dia pagar esses
benefícios. Por causa das dificuldades, os agricultores
estimam que cerca de 40 famílias já deixaram o
empreendimento.

Usina de biodiesel substitui mamona por óleo de soja - Não
há movimento de caminhões no pátio da usina de biodiesel da
Brasil Ecodiesel, em Floriano. As evidências são de que a
fábrica funciona em ritmo lento e a produção é mínima. Há
denúncias na cidade de que a empresa começou a demitir
parte dos funcionários. Essa usina de biodiesel foi montada
para processar a mamona produzida no projeto Santa Clara.

O problema é que não há mamona suficiente para fazer a
fábrica produzir - além disso, segundo a Agência Nacional
do Petróleo (ANP), o biodiesel produzido apenas com mamona
é muito viscoso e danifica os motores.

A empresa Brasil Ecodiesel admite que está produzindo
biodiesel com óleo de soja. "O óleo de soja ainda
representa mais de 90% dos óleos utilizados para a produção
de biodiesel da Brasil Ecodiesel em suas unidades
industriais", diz comunicado da empresa enviado ao Estado.
O comunicado é ambíguo, pois não especifica qual é a
matéria-prima usada na produção do biodiesel na usina de
Floriano.

"A companhia pretende reduzir o percentual de utilização do
óleo de soja na medida em que sua estratégia de
“originação” (sic) agrícola seja expandida, elevando o
percentual de utilização dos óleos de mamona, girassol e,
no longo prazo, pinhão manso", diz o comunicado.

Há um motivo para a fabricação do biodiesel da mamona por
agricultores familiares. A produção de combustível de
mamona ou de outras oleaginosas, no regime da agricultura
familiar, concede ao empreendedor o "selo combustível
social", que dá direito a incentivos fiscais: isenção da
contribuições para Financiamento da Seguridade Social
(Cofins) e para o Programa de Integração Social (PIS).
Também dá direito a financiamentos do BNDES, BnB e do Basa
(Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,
Banco do Nordeste, Banco da Amazônia) a juros mais baixos.

O secretário de governo da prefeitura de Floriano,
Edilberto Batista de Araújo, não tem dúvidas de que o
futuro da usina da Brasil Ecodiesel é a soja. Segundo ele,
o cultivo está em expansão no sul do Piauí. "Temos cerca de
2 milhões de hectares de cerrado, área propícia à produção
de soja. Esta é uma das últimas fronteiras agrícolas do
País."

Carvoaria e desmatamento - A carvoaria do projeto Santa
Clara não é fácil de ser encontrada. É preciso andar muito,
em meio à vegetação nativa, por estradas de areia que
cortam o empreendimento. Mas, ao final da busca, é possível
observar um grande edifício industrial. "É o maior e mais
moderno forno de carvão do Piauí", diz o ambientalista
Judson Barros, presidente da Fundação Águas do Piauí
(Funáguas). "Esse forno é controlado por computador".

É difícil imaginar que um projeto voltado à integração
social e ao respeito à ecologia precise queimar a madeira
nativa da região, de solo pobre, para sobreviver. O mais
impressionante é que a empresa responsável pelo
empreendimento, a Brasil Ecodiesel, promove, anualmente, a
Semana do Meio Ambiente do Projeto Santa Clara, da qual
participam os agricultores do empreendimento e seus filhos.

Há um grande desmatamento na região do projeto. As árvores
foram cortadas e, depois, a madeira foi abandonada, em
montes, na região. A empresa Brasil Ecodiesel admitiu a
existência da carvoaria. "A produção de carvão foi a
solução encontrada para a estruturação do Núcleo Santa
Clara, quando foi preciso abrir espaço das áreas, visando
ao plantio de mamona, matéria-prima para a produção de
biodiesel", informou, em comunicado dirigido ao Estado.

A empresa assegura que possui a licença ambiental do Ibama
para cortar a madeira e produzir o carvão. Mas recusou-se a
informar o número da licença ambiental concedida pelo
instituto. Em vez de comprovar a licença do Ibama, a Brasil
Ecodiesel preferiu dizer que a atividade da carvoaria está
paralisada desde 2006.

A empresa tentou justificar a grande quantidade de madeira
encontrada no pátio da carvoaria. "As madeiras encontradas
atualmente na carvoaria do Núcleo Santa Clara são resíduos
florestais resultantes da abertura de espaço realizado no
início da implantação do projeto."

A prefeita de Eliseu Martins, Terezinha Dantas (PSDB), não
esconde a sua preocupação com os destinos do projeto Santa
Clara. A cidade de Eliseu Martins está localizada a 20
quilômetros do empreendimento. "Eles desmataram muito",
disse a prefeita. "Dá pena de ver", lamentou.

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