terça-feira, 27 de abril de 2010

Belo Monstro

A conta será nossa

Em um leilão em que as contas não batem e as empresas fogem, há uma certeza: a Usina de Belo Monte, obra do PAC de Dilma, será bancada com dinheiro público

Isabel Clemente com Alexandre Mansur


DÚVIDAS
Índios da etnia arara às margens do Rio Xingu, em Altamira, Pará. A questão ambiental se soma às incertezas sobre o custo de Belo Monte

O leilão para a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na semana passada, provocou a confusão esperada. Grupos ambientalistas contrários ao projeto tentaram, até a última hora, brecar o processo com ações judiciais. Um dos concorrentes desistiu na reta final e obrigou o governo a montar, às pressas, um novo consórcio para manter a disputa. O leilão deveria escolher um grupo de empresas privadas, que se encarregariam de bancar a construção da usina.
Não foi exatamente o que aconteceu. Com poucos interessados e muita contestação sobre os valores, o leilão foi vencido por um consórcio liderado pela estatal Chesf, subsidiária da Eletrobrás. O governo vendeu para si mesmo. Às incertezas sobre os valores da obra, soma-se agora a certeza de que o contribuinte, que deveria pagar apenas pela energia consumida, terá de bancar a construção e os riscos.
O consórcio formado de afogadilho por nove empresas ganhou a disputa ao se propor a vender a energia por R$ 78 por megawatt/hora, um desconto de 6% sobre o preço máximo fixado pelo governo, que era de R$ 83. Estudada desde 1975 pelo alto potencial gerador de energia, Belo Monte foi orçada pelo governo em R$ 19 bilhões. Construtoras e consultores privados, no entanto, dizem que nada disso deve ser realidade. A usina pode custar até R$ 30 bilhões. A tarifa de R$ 78 seria irreal. Na semana passada, o jornal O Globo revelou um documento no qual técnicos das estatais Eletrosul e Furnas classificam como inviável a construção da usina por menos de R$ 28,5 bilhões. “Existem duas maneiras de cobrar por um serviço público: ou joga o custo para o consumidor ou para o contribuinte”, afirma o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), ex-presidente da Chesf. “Escolheram jogar para o contribuinte.”
O que deveria ser um empreendimento tocado, na maior parte, com dinheiro privado em parceria com estatais se tornou um projeto bancado praticamente só com dinheiro público. O governo vai dar desconto de 75% no Imposto de Renda (IR) cobrado de quem operar a usina durante dez anos. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode financiar até R$ 13,5 bilhões e vai ampliar o prazo de pagamento desse crédito de 25 para 30 anos. O governo estimulou a participação de um consórcio liderado por estatais, que topou um lucro de 8,5% – margem rejeitada por especialistas para um empreendimento com tantos riscos. “Isso é a taxa patriótica de retorno”, diz Adriano Pires, consultor e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Só o governo faz isso.” Isso é “jogar para o contribuinte”: o governo vai arrecadar menos, bancar quase todo o custo da usina e eventuais prejuízos serão cobertos pelas estatais.
Nenhuma das contas feitas pelo mercado bate com a do governo. O engenheiro Mário Veiga, da consultoria PSR, estudou o assunto. Ele concluiu que a tarifa ideal para remunerar o investimento, bancar o custo de transmissão da energia do meio da Amazônia para o resto do país e obter lucro é de R$ 100 o megawatt/hora. Esse preço leva em consideração o tradicional financiamento camarada do BNDES. Por essa conta, a usina custaria R$ 23 bilhões. “Mesmo a R$ 100 vale a pena construir, porque as alternativas são mais caras. Belo Monte é um excelente projeto, que o governo complicou ao enfeitar o pavão”, diz Mário Veiga. “Como o custo não está na tarifa, ninguém sabe quanto vai pagar. Essa falta de transparência criou desconfiança. Foi um tiro no pé.”
O governo acelerou o processo de Belo Monte porque a usina é a principal obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o maior trunfo eleitoral da candidata do PT à Presidência, a ex-ministra Dilma Rousseff. Mas as coisas não saíram como esperado. Logo após o leilão, a construtora Queiroz Galvão anunciou que poderia deixar o consórcio vencedor. Irritado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em um arroubo que, se for preciso, o governo fará sozinho Belo Monte. “Não é por falta de construtora que não vamos fazer”, disse a ÉPOCA o presidente da Chesf, Dilton da Conte Oliveira.
O governo afirma que não fez nada de extraordinário por Belo Monte. O ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, diz que o desconto no Imposto de Renda é praxe para projetos na Amazônia. Diz ainda que ampliar o prazo de financiamento do BNDES de 25 para 30 anos é um pedido do mercado. “Se (a usina) não fosse viável, não teria havido dois lances”, diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, responsável pelas contas do leilão.
Até os críticos do processo dizem que o país não pode abrir mão de projetos de geração de energia. Com capacidade instalada de 11.000 megawatts, Belo Monte garantirá energia suficiente para abastecer 40% das residências do país. O problema é que o projeto ainda enfrenta dúvidas. As sondagens de terrenos não estão completas. Os riscos socioambientais, estimados em R$ 3,3 bilhões, podem aumentar porque ainda serão feitos estudos antes da construção.
A lista de exigências inclui a criação de unidades de conservação e apoio financeiro à fiscalização ambiental, além da remoção e indenização das famílias atingidas pelo alagamento das margens do rio ou pela seca abaixo da barragem. “O licenciamento não foi completo”, diz o procurador Ubiratan Caseta, do Ministério Público Federal de Altamira, no Pará, autor de duas das três liminares que tentaram impedir o leilão. As autuações dificilmente impedirão o seguimento da obra, mas poderão atrasá-la. E atrasos significam custos mais altos. No caso, para o bolso do contribuinte.
A SOLUÇÃO DE SEMPRE
O contribuinte, não as empresas, vai bancar a maior parte dos custos da usina

• Renúncia fiscal: O governo vai dar isenção de 75% do ir para quem operar a usina entre 2016 e 2026
• Financiamento: O BNDES vai dar R$ 13,5 bilhões para financiar a obra


Segue abaixo o link de uma importante reportagem que saiu na revista Época sobre quem vai pagar o preço da construção da Hidrelétrica de Belo Monstro!

Por favor, leiam e divulguem...

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