quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Combustível da semente, por Ana Echevenguá

A Natureza é sábia. Cada semente possui uma porção de óleo vegetal para garantir a perpetuidade das espécies. Desta forma, a semente pode formar raiz e broto, enfrentando as adversidades ambientais.

Como todos os vegetais tem sementes, há uma infinidade de fontes de Óleo Vegetal (que, para facilitar, chamarei de OV de ora em diante). Agrônomos e cientistas afirmam que o OV é a energia solar acumulada bioquimicamente em sua densidade máxima, através dos mecanismos da fotossintese.

Para reduzir os custos e fugir da dependência dos combustíveis fósseis, muitos sugerem o uso deste óleo extraído das sementes oleaginosas (dendê, canola, girassol, mamona, soja...). Assim, o OV é uma espécie de biocombustível, produzido a partir de biomassa.

Dia-a-dia, cresce o consumo dos biocombustíveis, em especial do OV:
- ou misturado ao óleo diesel, em proporções que variam de 10% a 50%;
- ou puro, em motores diesel devidamente adaptados para este uso. (Ainda não se fabrica, no Brasil, um motor específico para o uso deste biocombustível).

Certamente que são necessários alguns cuidados no seu uso; afinal, qualquer combustível eleito deve ser usado em obediência a critérios técnico-científicos, sob pena de causar prejuízos aos motores.

O físico Bautista Vidal prega em todos os cantos do mundo que o Brasil precisa assumir "sua vocação de grande produtor de energia líquida renovável - como o álcool e o óleo vegetal - para abastecer o mundo". E mais: “o Brasil é o único no mundo que tem condições para evitar uma guerra mundial pelo petróleo, pois possui dimensão continental, sol, água, a maior fronteira agrícola e a melhor tecnologia para produção desta energia limpa”.

Ao contrário dos derivados do petróleo, o OV puro é neutro quanto às emissões de CO2; é isento de enxofre, de metais pesados e de radioatividade porque é formado de Carbono, de Hidrogênio e de um pouco de Oxigênio. O grande apelo atual, em plena mudança do clima e do seqüestro de carbono, é que se trata de energia renovável.

No entanto, muitas dúvidas pairam sobre os biocombustiveis:
1. O OV pode substituir, parcial ou totalmente o energético fóssil do petróleo?
2. E, se o OV é tão bom, por que a União Européia está investindo maciçamente no uso do biodiesel?
Para o Engenheiro Mecânico Thomas Fendel, a resposta é elementar: “A Europa não tem nenhum Bautista Vidal, um cientista que fez a indústria de motores européia engolir o OV. Fez o mesmo no Brasil, onde, por canetaço, enfiou o etanol goela abaixo das montadoras numa época em que, os defensores do ‘porcotróleo’ diziam que motores a álcool não funcionavam, que emitiam substâncias cancerígenas, que os problemas de corrosão eram insolúveis, que a qualidade do etanol era duvidosa, e muitas outras besteiras e heresias, que hoje sabemos hipócritas... Infelizmente, ainda enveredamos para outras falácias porcotroleiras, que são os motores flex, muito mais beberrões do que os motores produzidos especificamente para usar álcool ou gasolina...”.

Analisando o comportamento da indústria e das políticas governamentais brasileiras, Fendel, há tempos, afirma que as coisas estão muito erradas:

- “fazer biodiesel de OVs é como fazer biogasolina a partir de etanol. Não faz sentido!
- ora, transformar motores Diesel para OVs é mais fácil do que transformar motores a gasolina para álcool;
- assim como foram resolvidos os problemas de corrosão do álcool, podem ser solucionadas as adaptações com os OVs. Basta boa vontade!”

O Engenheiro Agronomo Gert Roland Fischer ratifica o que Fendel pensa: alega ser equivocada a política federal de energias alternativas: “Precisamos fortalecer o agricultor brasileiro e, assim, reduzir o monopolio exercido imperialmente pela Petrobras, a qual tem conduzido, sem perguntar a ninguém, a hegemônica orientação dos negócios, preços, contratos e estratégias opacas, vinculados aos combustíveis, impedindo o contribuinte de opinar sobre o seu trabalho, produção e usos de energia. O agricultor familiar, o minifundista, o pequeno agricultor, ao lhe ser permitido produzir, industrializar e utilizar os próprios biocombustíveis, livres das tradicionais rédeas impostas pela impiedosa corporação, se tornará livre, independente e capitalizado passando a compor a classe média da qual, há anos, deixou de participar”.

Bautista Vidal, que o Fendel mencionou, foi o criador do programa brasileiro do Pró-álcool. Contrário ao biodiesel, é um dos defensores do uso do OV em motores, Para ele, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel apresenta erros crassos como a retirada da glicerina do óleo vegetal. Isso ocorre tão somente porque o governo quer agradar a Mercedes-Benz, cujos motores que rodam no Brasil operam com temperaturas muito baixas e não conseguem queimar a glicerina: "Temos que usar o óleo. Por que produzir o biodiesel, se isso encarece o processo e o óleo é melhor?". Segundo ele, já existe tecnologia para usar o OV em diversos motores.

A discussão é importante. E todos precisam estar envolvidos porque a escolha do combustível que usamos reflete diretamente na nossa sadia qualidade de vida.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br

publicado pelo EcoDebate.com.br – 09/08/2007

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