segunda-feira, 7 de julho de 2008

A água nossa que vai embora

Vinícius Carvalho - redacaojbeco@terra.com.br - JB - 06/08/2006

Novo conceito joga luz sobre a água utilizada no processo de produção, que é exportada e ainda desconhecida pelo consumidor brasileiro

O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais de água. Ela não sai em garrafas, tonéis e em gigantescos navios-tanque. Segundo uma nova classe de especialistas, trata-se da água incorporada ao processo produtivo de qualquer bem industrial ou agrícola e que é indiretamente comercializada. Trata-se da "água virtual", embutida especialmente nas commodities agrícolas e que, na maioria dos casos, não é contabilizada nos custos de produção.

Cada quilo de soja, por exemplo, exige em média dois mil litros de água para ser produzido. Já o quilo da carne bovina exige 43 mil litros de água. Neste cálculo entram não só a água consumida diretamente pelo animal, mas também a água utilizada na produção de alimentação do gado, no tratamento (serviços como limpeza), no abate e ainda os volumes necessários para o processamento dos produtos finais. Para se ter uma idéia, uma refeição com 250 gramas de carne de boi e 250 gramas de arroz demandaria, em média, mais de 11 mil litros de água. Por sua vez, se a refeição for de batata e carne de frango, na mesma quantidade, o total demandado cai para cerca de mil litros de água.
O levantamento apresentado no último encontro da Anppas (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade) por pesquisadores da Unicamp, utiliza os dados de exportação de cada produto de acordo com o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e de volume de água virtual contida em cada produto a partir de estimativas da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura).
A partir deste conceito, os pesquisadores podem saber o quanto de água virtual os países exportam ou importam e buscar maneiras sustentáveis da utilização deste recurso. "A concepção de água virtual está relacionada ao conceito de pegada ecológica, pois é necessário perseguir os passos e etapas do processo de produção avaliando cada elemento, os impactos e os usos dos recursos naturais envolvidos no processo como um todo, desde sua matéria-prima básica até o consumo", explica Ricardo Ojima, pesquisador do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp (Nepo) e um dos autores do trabalho.
Segundo Ojima, o Brasil é hoje o sétimo exportador mundial de água virtual, especialmente por conta da produção de soja e carne bovina. Dados do MDIC mostram que a soja foi responsável, em 2005, por mais de 58% das exportações do grupo de commodities de maior participação na balança comercial brasileira (soja, carnes e açúcar). No mesmo ano, considerando apenas a soja, a China apresentou-se como um dos principais importadores da água virtual brasileira, tendo levado 16,1 bilhões de m3. Isto é, segundo dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), o equivalente a quatro vezes o consumo médio diário de toda a Região Metropolitana de São Paulo.

Passivo hídrico

Dados do MDIC indicam ainda que a exportação de água virtual vem crescendo ao longo dos últimos anos. Tomando como referência a água utilizada para a produção da soja, da carne e do açúcar, em 2002 o país exportou 52,2 bilhões de metros cúbicos (m3) de água virtual, em 2003 foram 65,5 bilhões m3 e no ano seguinte este número subiu para 73,8 bilhões. Em 1997, esse valor não chegava a 30 bilhões de m3 de água. "O peso da produção de carne também aumentou muito no período, sendo que o aumento do rebanho brasileiro sinaliza no sentido do país se consolidar também como maior exportador mundial de carne", ressalta o trabalho.
Segundo as contas da Agência Nacional de Águas (ANA), cerca de 11% da água consumida no país destinam-se ao abastecimento animal, nada menos que a mesma proporção destinada ao abastecimento urbano. O rebanho bovino brasileiro, de acordo com o último censo agropecuário, já soma mais boi do que gente: 193 milhões de cabeças de gado contra 186 milhões de habitantes.
Além disso, a exportação de água virtual tende a crescer se confirmado o potencial do país para irrigação. Houve um crescimento das áreas irrigadas no Brasil de 2,3 milhões de hectares, em 1990, para 3,1 milhões. O potencial para o desenvolvimento da irrigação, que já usa quase 70% do total da água consumida no país é estimado em nada menos que 29,5 milhões de hectares.
"É necessário que os tomadores de decisão saibam o que é necessário internalizar para a produção de um produto que eles tentam exportar. É um passivo ambiental pesado para o país", avalia o professor Demetrios Christofidis, doutor em Gestão Ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). A preocupação cresce se considerada a desigualdade na distribuição de água do Brasil.
Apesar de possuir 12% das reservas de água doce do planeta, sua distribuição pelo país é desigual e já aponta para situações de escassez. A região hidrográfica Amazônica, segundo levantamento da ANA, detém 68% dos recursos hídricos superficiais em uma área equivalente a 44% do território nacional. No entanto, é ocupada por apenas 4,5% da população brasileira. O oposto ocorre em outras regiões, a exemplo da região hidrográfica do Atlântico NE Oriental, onde estão cinco capitais nordestinas, que ocupa 3,4% da área do país, concentra 12,7% da população e apenas 0,5% da água.
Segundo Christofidis, por exemplo, a tendência brasileira é de redução na área total de pastagens até 2015 para o conjunto do país, mas com crescimento na região Norte, onde está a Amazônia, as terras são mais baratas e a água está concentrada. "E temos de estar atentos não só a quantidade de água utilizada, mas também à qualidade da água que é devolvida aos mananciais", alerta.

Cobrança e uso

Entre os seis instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos está a cobrança pelo uso da água. Ojima salienta a necessidade de associar a discussão da água virtual à da cobrança, especialmente no caso do setor agropecuário. Hoje a cobrança está implementada apenas na Bacia do Vale do Paraíba.
"Esta discussão não chegou à esfera da cobrança, que, aliás, ainda está só no âmbito das águas superficiais", reclama Ojima. Para se ter uma idéia, o Brasil exportou, segundo o MDIC, 86,8 bilhões de m3 de água virtual apenas em soja, carne e açúcar em 2005. Se o preço dessa água fosse R$ 0,02 por metro cúbico, que é o valor cobrado para o uso da água no Paraíba do Sul, teriam sido arrecadados nada menos que R$ 1,7 bilhão no ano passado para reaplicação nas bacias do país.
Contudo, a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) já sinalizou que discorda da cobrança pelo uso da água, alegando riscos para a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional. "O setor ainda está na expectativa e como muitas dúvidas com relação à cobrança. Será que o pagamento pelo uso [da água] é mesmo um instrumento de gestão? Iremos fazer esta discussão", promete Jairo dos Santos Souza, representante da CNA no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). A discussão também deve ser intensificada nas próximas revisões do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).
O Instituto para a Educação da Água da Unesco e o World Water Council alegam que o comércio de água virtual alivia a pressão sobre os países que possuem poucos recursos hídricos, mas alerta que esse comércio deve vir acompanhado de uma política de conscientização para o uso de produtos que demandem uma quantidade menor de água. "Um plano consistente de educação ambiental e conscientização pode ter mais efeito que a própria cobrança", diz Christofidis.

Mudança no cardápio

Nos próximos 50 anos, a população mundial deve se estabilizar em torno de nove bilhões de pessoas. Segundo estimativas da ONU, em 2025, haverá mais de três bilhões de pessoas vivendo em países com escassez de água. A América Latina é depositária de 25% do estoque mundial de água, colocando-a como uma região com relativa abundância de água superficial.
O problema, segundo os pesquisadores da Unicamp, é que o consumo de produtos que necessitam de muito água para sua produção é alto no mundo, como é o caso da soja e do arroz. Já os produtos como o milho e a batata, que necessitam de menos água para a produção, são menos consumidos. Ojima argumenta que uma das sáidas para um planajamento sustentável da utilização dos recursos hídricos pode ser,no médio e longo prazo, a reestruturação do próprio cardápio.
"Grande parte do impacto ambiental do século XX veio da explosão do consumo e nem tanto da explosão demográfica. Temos que ter consciência deste comércio virtual para saber quanto isso pode afetar nossos ecossistemas", alerta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hey Vitão!

Dahora o blog! E ai, como tu tá?

Abraços!