domingo, 22 de julho de 2007

Capital natural e desenvolvimento sustentável


Augusto Marcos Carvalho de Sena É fato conhecido que as atividades econômicas atuais têm imposto pesada carga ao nosso planeta e que isso tem levado a um interesse crescente por questões vinculadas ao processo de desenvolvimento sustentável. Tem-se enfatizado que o processo de crescimento econômico acelerado está intrinsecamente ligado à destruição de recursos naturais e que, mais cedo ou mais tarde, tal processo encontrará sérios limites a sua capacidade de expansão. Apesar do argumento otimista que concede ao progresso tecnológico o status de ‘salvador’ de todos os males - no sentido de que inovações tecnológicas eliminariam todas as restrições, no que concerne ao uso de recursos naturais em prol do crescimento econômico acelerado – a proximidade de exaustão da capacidade de absorção da terra é uma realidade inquestionável1. Ações imediatas estão sendo reclamadas, e várias propostas, tanto na esfera política como na acadêmica, têm sido formuladas com o objetivo de atacar tal problema. Apesar da importância de tais questões, a literatura sobre desenvolvimento sustentável não está ainda suficientemente desenvolvida, para oferecer suporte ao desenho e implementação de políticas econômicas. A dificuldade básica se resume na grande complexidade envolvida na definição de ‘sustentabilidade’ e ‘capital natural’, dois conceitos-chave ligados a questões envolvendo recursos naturais e meio ambiente. Tendo-se em vista tal insuficiência, o presente ensaio propõe oferecer uma definição clara de ‘capital natural’ e ‘desenvolvimento sustentável’, atentando-se para a conexão lógica existente entre os dois conceitos. Adicionalmente, uma breve lista é apresentada, enumerando algumas mudanças que nossa aludida ‘moderna sociedade ocidental’ deveria administrar, se sustentabilidade é vista como prioritária.
1 Definição de capital natural e desenvolvimento sustentável De início, o uso de uma definição geral de capital é de suma importância para claramente se entender o conceito de capital natural. Nesse contexto, capital deve ser entendido como um estoque que gera um fluxo de bens e serviços num futuro imediato, não importando se tal estoque é físico (uma máquina, por exemplo) ou natural. Se tal estoque é dito natural (por exemplo, uma população de árvores ou peixes), o fluxo sustentável ou a produção anual de novas árvores ou peixes é chamado de renda sustentável, e o estoque de capital que a produz é definido como capital natural. Outra qualificação necessária refere-se à interrelação existente entre três importantes conceitos: capital natural, renda natural e recursos naturais. Capital natural e renda natural são, respectivamente, os componentes estoque e fluxo dos recursos naturais. Em geral, existem dois tipos de estoques de capital natural: i) renovável (CNR) ou ativo e; ii) não-renovável (CNNR) ou inativo. Exemplos do primeiro tipo são os ecossistemas – fauna, flora, etc. – enquanto depósitos minerais e combustíveis fósseis (petróleo) são exemplos do segundo tipo. Existe uma interessante analogia entre ‘capital natural renovável/capital natural nãorenovável’ e ‘máquinas/estoques’. Capital natural renovável é análogo a uma máquina e está sujeito à depreciação; capital natural não-renovável, por outro lado, é similar a um estoque qualquer e está assim sujeito à liquidação. Tendo-se definido capital natural, uma definição precisa de desenvolvimento sustentável é necessária, a fim de se estabelecer uma conecção lógica entre os dois conceitos. Em primeiro lugar, é importante se ressaltar que a soma dos estoques de capital natural renovável (CNR) e capital natural não-renovável (CNNR) é igual ao estoque de capital natural total (CNT), isto é, CNT = CNR + CNNR. O conceito de sustentabilidade se refere à preservação do estoque de capital natural total (CNT). Portanto, manutenção do patamar corrente do estoque de capital natural total (ou elevação desse nível) é a idéia-chave ligada à definição do conceito de desenvolvimento sustentável. Visto que o estoque de CNNR pode ser exaurido com o uso, uma maneira lógica de manter o estoque de CNT constante é reinvestir parte dos prospectos advindos do consumo do CNNR em CNR. Essa idéia-chave é de vital importância, visto que o conceito de desenvolvimento sustentável, implicitamente, incorpora a noção de eqüidade entre gerações, ou eqüidade intergeracional. De acordo com os preceitos da Comissão Brundtland2, a implicação maior relacionada ao desenvolvimento sustentável é que gerações futuras devem herdar um estoque de ativos de qualidade de vida não inferior ao da geração presente. Esse amplo estoque de ativos pode ser interpretado de três maneiras: i) como incluindo tanto bens e serviços produzidos pelo homem ou pelo meio ambiente; ii) como referindo-se apenas aos ativos produzidos pelo meio ambiente; ou iii) como incluindo os dois citados, mais os ativos de capital humano (escolaridade, inteligência, destreza, habilidade). A noção de eqüidade intergeracional é central na definição de desenvolvimento sustentável. E apesar da falta de uma definição sólida e mais prática para esse conceito, qualquer processo de desenvolvimento que não satisfaça o critério de equidade entre gerações deve ser taxado de desenvolvimento precário.Claramente, deve-se admitir que o item iii) acima é o mais relevante no contexto do processo de desenvolvimento sustentável. Capital produzido pelo homem, capital natural renovável e não-renovável, fluxos de serviços advindos de ecossistemas diversos, todos interagem com capital humano e com o processo econômico de oferta-demanda para determinação dos níveis de produção de bens e serviços de uma economia. A forma específica desse processo de interação é de importância crucial para a sustentabilidade. Interligando tal processo à equação do estoque de capital natural total (CNT = CNR + CNNR) e atentando-se para a questão da eqüidade intergeracional, o suporte analítico detalhado até aqui é vital, para uma definição apropriada do processo de desenvolvimento sustentável. Nesse ponto, já se pode detectar as interrelações entre capital natural e desenvolvimento sustentável.A definição de capital natural é necessária para a definição de desenvolvimento sustentável, e, para se alcançar a condição mínima necessária à sustentabilidade, a manutenção do nível corrente do estoque de capital natural total é condição essencial. Uma outra questão paralela, mais ligada à esfera econômica, refere-se à maneira padrão como crescimento econômico é tradicionalmente concebido e mensurado. Sabe-se que a medida comumente usada na avaliação do bem-estar de um país – o produto interno bruto (PIB) per capita – ignora o conceito de capital natural, apesar de sua significância no que se refere àprodução geral de bens e serviços. Para sanar tal impropriedade, esforço recente tem sido direcionado à construção de agregados alternativos de mensuração do PIB, como forma de levar em conta eventuais subtrações no estoque de capital natural, assim como introduzir correções em variáveis-chave, que mensuram o bem-estar de uma sociedade. Por exemplo, um novo índice de medida de bem-estar já se encontra em uso nos EUA – o ISEW, Index of Sustainable Economic Welfare3, ou Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável – com melhoras substanciais, se comparado com o índice tradicional, advindas da contabilização de reduções de recursos naturais não-renováveis e eventuais perdas ambientais de longo prazo. Em cálculos realizados, usando-se o novo índice, enquanto o produto nacional bruto americano cresceu substancialmente, no intervalo de 1950 a 1985 (medido pela via tradicional), o índice ISEW tem permanecido relativamente constante, desde 1970. Segundo Daly & Coob Jr [1989], à medida que degradação do estoque de capital natural, custos decorrentes de poluição e efeitos perversos ligados à má distribuição de renda são contabilizados, a economia americana não é vista como obtendo melhoras substanciais de bem-estar. Essa evidência é crucial, não só para os EUA, mas para qualquer país que tenha preocupação com as incorreções vinculadas à contabilidade do crescimento, quando feita exclusivamente em termos econômicos, isto é, não levando em conta degradação do meio ambiente. Na circunstância de certo país ignorar subtrações em seu estoque de capital natural, seria até possível se estar incorrendo em perdas substanciais de bem-estar, ao mesmo tempo em que as medidas tradicionais apontam para substanciais melhoras. Tendo-se chegado às definições relevantes de capital natural e desenvolvimento sustentável, assim como, tecido comentários sobre o interrelacionamento existente entre tais conceitos, a apreciação dos ajustamentos necessários que uma sociedade deve administrar, se desenvolvimento sustentável for o objetivo, é vislumbrada a seguir.
2 Mudanças sociais desejáveis e necessárias ao desenvolvimento sustentável Três mudanças fundamentais que devem ser empreendidas no desafio de qualquer sociedade, em busca de sustentabilidade, são as seguintes: i) Controle populacional, via planejamento familiar, ii) Ajustamento dos padrões de consumo, via mudanças no estilo dos gastos individuais, e iii) Observância à redistribuição de renda. Esses três desafios mostram que o modo de crescimento econômico abraçado pelas sociedades ocidentais capitalistas não tem satisfeito o critério de eqüidade intergeracional e de melhora no bem-estar social. Para se alcançar um padrão de desenvolvimento sustentável, como uma melhor alternativa ao modo de crescimento tradicional, questões populacionais devem ser repensadas, tanto em nível familiar como em nível de sociedade. Existe evidência de que a taxa de crescimento populacional mundial continuará sua tendência de ascensão no futuro próximo4, e isso é indicativo de carga ainda mais pesada, com relação à já limitada capacidade de absorção, do planeta, a um número crescente de atividades e pessoas. Dado os muitos problemas de pobreza em áreas densamente povoadas em países subdesenvolvidos, somados ao fato de que em tais países as taxas de exaustão de recursos naturais são elevadíssimas, crescimento populacional é um evento que, com certeza, trará pioras consideráveis ao bem-estar social em nível mundial. Conseqüência imediata é a restrição que tal problema impõe à possibilidade de desenvolvimento sustentável, principalmente em países em vias de desenvolvimento. Portanto, é imperativa a mudança de comportamento dos indivíduos e de comprometimento governamental no que diz respeito aos padrões de crescimento populacional. A segunda mudança refere-se aos estilos de consumo em países ricos ocidentais e o efeito ‘demonstração’ que ocorre em países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento. A maneira atual de se medir bem-estar através dos níveis de utilidade, advindos do consumo incremental de bens e serviços, tem dado forma insustentável ao comportamento dos indivíduos em direção ao consumismo desenfreado. Os padrões de consumo de países ricos estão muito além das necessidades dos indivíduos e os países em desenvolvimento, ao copiarem tais padrões, contribuem pesadamente para o aumento das pressões aos limites desse processo. O processo de rápido crescimento econômico está intrinsecamente ligado ao processo explosivo de demandaconsumo, conduzindo a uma situação insustentável, em nossa definição, em nível mundial. Como conseqüência, degradação ambiental, pobreza, desigualdade social e outras seqüelas advindas de nossa ansiedade por crescimento econômico a todo custo, têm imposto um obstáculo visível à continuação dessa tendência. Ambientalistas e economistas (infelizmente, tardiamente!) estão conscientes agora de que existe grande diferença entre crescimento-desenvolvimento econômico convencional e desenvolvimento sustentável. A terceira mudança elucidada como crucial à sustentabilidade se refere à desigualdade na distribuição de renda. É importante se ressaltar que crescimento econômico não necessariamente se traduz em distribuição dos frutos advindos da elevação do PIB. Jones [2000] evidencia que o comportamento dos índices de distribuição de renda em nível mundial, têm desfavorecido os países em desenvolvimento, durante o processo de crescimento econômico que a economia mundial tem experimentado no pós-guerra, isto é, a distância entre países ricos e pobres tem aumentado nesse período. Este fato é indicativo do caráter insustentável do estilo presente que norteia a busca ao bem-estar. Ações urgentes são necessárias para que a tendência de concentração de rendaentre países (e também dentro dos países) seja revertida.
Conclusão Em suma, é visível a situação insustentável que ora prevalece em nível mundial. O estilo tradicional , que norteia as atividades econômicas atuais, já se encontra em nível insustentável, à medida que se reconhece a degradação envolvida no consumo dos recursos naturais. Por outro lado, o padrão de consumo de bens e serviços tradicionais se destitui de sentido, a partir do reconhecimento dos limites do processo de crescimento econômico puro e de seu impacto na capacidade de absorção do planeta. Além disso, melhorar as condições econômicas dos pobres, sem que políticas importantes sejam consideradas – por exemplo, controle populacional e redistribuição de renda – parece ser tarefa de extrema dificuldade. Os desafios estão à mesa e as conseqüências de não se levar em conta tais questões, podem ser extremamente danosas em futuro próximo. Uma sociedade consciente, incluindo-se aí suas instituições, pode e deve vislumbrar mecanismos, para concretizar mudanças necessárias, em seu trajeto em direção à experiência de desenvolvimento sustentável. Além disso, para que tal fim seja alcançado, políticas devem ser formuladas e implementadas, tendo como suporte definições precisas de capital natural e desenvolvimento sustentável, como as propostas nesse estudo. Apesar da importância de políticas mais genéricas (esfera macro) como às ligadas a controle populacional e distribuição de renda, políticas específicas de controle do uso de recursos naturais, principalmente focando atividades empresárias particulares (esfera micro), devem se revestir de importância ímpar, no que diz respeito à manutenção (ou elevação) do estoque de capital natural total, condição primária à possibilidade de garantia de eqüidade intergeracional e, conseqüentemente, sustentabilidade.

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