quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

No garimpo urbano, sucata de informática vira mina de ouro

André Borges, de São Paulo 27/11/2008

Mal amanheceu quando uma montanha de placas de computadores chega ao galpão da San Lien Exportação e Reciclagem. Um caminhão carregado com algumas toneladas de componentes, vindo de Fortaleza, despeja lentamente a carga esverdeada no depósito da empresa, no bairro da Vila Maria, em São Paulo. "Vai ser dia de trabalho duro", diz Moisés Fernandes, dono da San Lien. Sentados sobre as peças, três funcionários trabalham na triagem. Fernandes pisa sem dó sobre o lixo eletrônico e segue até os fundos do galpão, onde exibe sua linha de produção. Um triturador de ensurdecer dá cabo de todo o material. Aos montes, placas-mãe inteiras, com todos os componentes, entram na esteira para, logo em seguida, caírem num tambor, reduzidas a migalhas.


Empresas do ramo da San Lien começam a enfrentar problemas de espaço. O galpão, lamenta Fernandes, não tem mais para onde crescer. Uma filial foi montada no interior de São Paulo para dar conta da produção. Há três anos a empresa demorava um mês para recolher 5 toneladas de lixo eletrônico. Atualmente, processa cerca de 40 toneladas a cada 30 dias. Os volumes também se multiplicaram entre seus principais concorrentes, como Ativa Reciclagem, Lorene e Oxil. "Cinco anos atrás, fazíamos a moagem de 80 toneladas por ano", diz Vanderley Camargo, comprador da Lorene. "Hoje são mais de 500 toneladas."

À primeira vista, a explicação mais óbvia para o abarrotamento dessas empresas seria o aumento desenfreado do consumo de computadores e celulares e a conseqüente preocupação com o impacto dessa tralha no ambiente. Mas não é só isso.

Essas empresas, cada qual a seu ritmo, vêm se transformando em verdadeiros garimpos urbanos, operações especializadas em negociar montanhas de peças trituradas, um lixo nobre que, entre outros materiais, esconde metais preciosos. Nesse negócio, as chamadas placas de circuito impresso - componente encontrado nos computadores, TVs e celulares - são o supra-sumo da corrida pelo ouro, metal geralmente usado nos contatos de microprocessadores, circuitos integrados e memórias. Calcula-se que, em uma tonelada de sucata eletroeletrônica, é possível encontrar até 300 gramas de ouro e um quilo de prata, entre outros metais nobres. "O que despertou o interesse pelas placas é a cobiça por esses metais", diz Moisés Fernandes, da San Lien. "Essa procura mudou a realidade do nosso negócio."

Mudou mesmo. Até alguns anos atrás, o hábito comum à maioria dos sucateiros de informática era buscar material em aterros ou aguardar doações de pessoas ou empresas interessadas em se livrar do entulho. O aumento de volume, porém, aguçou o interesse de empresas sobre os metais contidos nas peças e fez com que muitos passassem a comprar o material antes descartado de qualquer maneira. Atualmente, empresas como a San Lien pagam cerca de R$ 4 mil por uma tonelada de placas de computador e telefones celular. A margem de lucro é razoável. Uma vez triturado, o material é vendido para terceiros, por cerca de R$ 7 mil.

O lamentável desse processo é que, no Brasil, as práticas do garimpo urbano terminam no estágio da trituração das placas, etapa que pode ser considerada a mais pobre na cadeia do "beneficiamento de metais". Hoje, o trabalho sofisticado do processo - que é a extração dos metais pesados - fica a cargo de empresas de países como Alemanha, Bélgica, Cingapura, China e Estados Unidos.

Planos para trazer a fase de tratamento para o país já foram desenhados, mas até agora não saíram do papel. "Nosso projeto inicial era ter esse processamento no Brasil, mas a falta de regulamentação desse mercado nos fez mudar de idéia", diz Ana Cláudia Drugovich, diretora executiva de marketing da Cimelia Reciclagem.

A Cimelia, que tem matriz em Cingapura, é apenas mais uma das empresas que têm que lidar com a boa dose de informalidade que corrói esse mercado. A companhia tem pontos de coleta de sucata em uma dúzia de países, entre eles Brasil, Estados Unidos, Alemanha, China, Japão e Índia. Todo mês, diz Ana Cláudia, saem do Brasil contêineres carregados com pelo menos 300 toneladas de placas trituradas. Em picos de produção, a Cimelia Brasil chega a recolher 700 toneladas por mês. Tudo é despachado em navios, com destino a Cingapura. Lá, as migalhas de placas viram pó, para depois terem suas partículas separadas eletronicamente. Após uma série de processos químicos, a Cimelia finalmente transforma o material em barras de metal nobre.

Segundo Ana Cláudia, tudo isso já poderia ser feito no Brasil, não fosse a falta de organização do setor. "Somos uma multinacional, uma das maiores usinas de reciclagem de sucata eletroeletrônica da Ásia, mas no Brasil, quando vamos registrar nossa empresa, temos que nos enquadrar como um ferro-velho", afirma. "A verdade é que o país ainda não dá a devida atenção para esse trabalho."

Com taxas de crescimento sem precedentes, a indústria da sucata eletrônica abre espaço para todo tipo de negócio no país. Se por um lado companhias como Lorene e San Lien compram lixo eletrônico de terceiros para triturá-lo e então revendê-lo, empresas como a Oxil cobram para oferecer o tratamento certo para o material descartado. "Prestamos serviços para empresas que se preocupam com o meio ambiente, com a destinação correta do lixo eletrônico", diz Akiko Ribeiro, diretora-executiva da empresa.

Na Oxil, quem quiser reciclar seu computador velho tem que desembolsar cerca de R$ 2,50 por quilo de sucata. O valor, segundo Akiko, é a margem de lucro que a empresa tem ao separar plástico e materiais pesados - como aço, ferro e alumínio - dos equipamentos e revendê-los para o mercado local. Hoje, o volume de sucata processada pela Oxil já atinge 60 toneladas por mês. "Conseguimos fazer com que 85% do material de um computador vire commodity e volte para o mercado", comenta Akiko. Os demais 15% são tratados e enviados a aterros industriais.

A contar pelo potencial do mercado de eletroeletrônicos no país, a corrida pelo ouro da sucata dá sinais de que está só começando. Garimpeiros do lixo eletrônico não faltam, mas, ao menos por enquanto, eles só fazem o trabalho mais pesado.


Fonte:http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?tit=Garimpo%20urbano&dtmateria=27/11/2008&codmateria=5288250&codcategoria=277&tp=506135417&p=0&t=12px

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