quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Projeto ameaça 70% das grutas do país

Cerca de 70% das cavernas do Brasil correm o risco de destruição.
Hoje, as 7.300 já identificadas são protegidas por um decreto assinado
em 1990. Nos próximos dias, o governo federal deve alterar a norma,
após dois anos de pressão de empresas, sobretudo mineradoras e
hidrelétricas, que vêem nas grutas um empecilho à expansão de seus
empreendimentos.

A minuta, enviada na semana passada para a Casa Civil, autoriza, na
prática, que cavernas que não sejam de "máxima prioridade" sofram
"impactos negativos irreversíveis".

Isso significa que cavernas que estejam em outros três novos critérios
poderão ser alteradas. Grutas com "alta relevância", por exemplo,
poderão ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a
preservar duas similares.

Para formações com "média relevância", o projeto prevê a destruição
desde que o responsável pela obra financie ações que contribuam para a
"conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro"
--sem especificar quais.

Já cavernas com "baixo grau de relevância" poderão ser impactadas sem
contrapartidas. O Ministério do Meio Ambiente terá 60 dias para
elaborar os critérios de relevância a partir da aprovação.

O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) diz que o novo decreto
trará avanços. "Essa indefinição, que dura anos, afastou investimentos
estrangeiros do país", afirma o presidente do instituto, Paulo Camillo.

"Há cavernas belíssimas que, claro, precisam ser preservadas. Mas é
preciso criar um sistema para valorar o grau de importância dessas
cavernas, porque muitas são inúteis", diz Rinaldo Mancin, diretor de
assuntos ambientais do Ibram.

Segundo o Cecav (Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de
Cavernas), do Instituto Chico Mendes, a maior parte das cavernas
mapeadas no Brasil foi descoberta na última década. O Cecav e a SBE
(Sociedade Brasileira de Espeleologia) estimam que 70% das cavernas
possam ser destruídas com a nova lei.

Somente na região de Carajás, no Pará, onde atua a Vale, pesquisadores
patrocinados pela própria companhia descobriram mais de mil cavernas
que, segundo a empresa, impedem a exploração mineral.

A instalação de uma hidrelétrica pelo grupo Votorantim no vale do
Tijuco Alto, em São Paulo, também enfrenta restrições devido a duas
grutas localizadas na área a ser alagada, 450 dolinas (depressões em
terrenos calcários) e outras 52 grutas e abismos na área de influência
direta do projeto.

Para o secretário-executivo da SBE, Marcelo Rasteiro, o projeto, como
foi apresentado, é "nefasto". Ele diz que a importância das cavernas
não pode ser medida facilmente.

Livro para o passado

"Essas cavernas guardam registros do passado, trazem informações nos
campos paleontológico, arqueológico, biológico e geológico. Cada uma é
como um livro. A partir de alguns estudos, por exemplo, foi possível
descobrir se chovia mais ou menos na região em determinado período.
Isso é uma chave para entender questões como o aquecimento global."

Rasteiro diz ainda que a análise sobre a importância de cavernas
deverá ser feita por consultores ambientais pagos pelas empresas, o
que pode gerar pressão para laudos favoráveis ao interesse econômico.
"Não há nenhum indício de que as cavernas estejam atrapalhando
qualquer setor da economia brasileira. O setor mineral tem aumentado
sua produção a cada ano."

Segundo Rita de Cássia Surrage, do Cecav, o órgão participou dos
estudos com os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia nos
últimos dois anos, mas suas sugestões foram ignoradas no projeto final.

"Eles querem algo fácil de fazer. Dizem que nossas sugestões eram
complexas. Mas não dá para entrar em uma caverna, sair e avaliar na
hora. Estudos são necessários. Vai acabar na mão dos Estados a decisão
de definir quais vão poder ser impactadas, sem critério algum."

Licenciamento

A Votorantim diz que na construção da hidrelétrica no interior de SP
as grutas que serão submersas são "pequenas e pouco expressivas".

Já a Vale afirma que não revela seu estudo sobre cavernas em razão de
"questões estratégicas" e nem comenta a possibilidade de destruição.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o que importa é que as cavernas
realmente importantes sejam "conservadas e valorizadas". "Tudo está
sendo discutido. Essa nova norma não significa que tudo será
destruído", diz a secretária de Biodiversidades e Florestas, Maria
Cecília Wey de Brito.


MATHEUS PICHONELLI
THIAGO REIS
da Agência Folha

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