terça-feira, 20 de maio de 2008

Marina Silva: "A Amazônia está acima de nós"


Marina Silva: o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, não deve aceitar pressões do governador Blairo Maggi

Altino Machado
De Rio Branco (AC)

A magricela Marina Silva, 50, senadora petista do Acre, já perdeu três quilos desde que entrou no olho do furacão, após surpreender ao presidente Lula na semana passada com o pedido de demissão do cargo de ministra do Meio Ambiente.

- Estou só a tala - diz com exclusividade a Terra Magazine.

Ao deixar o ministério, a ex-seringueira e ex-empregada doméstica alfabetizada aos 17 anos, conseguiu gerar, dentro e fora do País, uma repercussão que suplantou aquelas que ocorriam eventualmente com a queda de algum titular do Ministério da Fazenda.

Ela espera do sucessor Carlos Minc, como demonstração de continuidade da política ambiental, que resista à pressão do governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, que atua contra a manutenção da resolução do Conselho Monetário Nacional que, a partir de 1º de julho, obriga o sistema financeiro a exigir regularidade ambiental como condição para o crédito rural na Amazônia.

- Além da manutenção da implementação da resolução do Conselho Monetário Nacional, que lute firmemente contra a alteração do código florestal, que levaria a mais desmatamento na Amazônia. É necessário manter e fortalecer as operações de combate ao desmatamento - insiste a ex-ministra.

Marina Silva disse que quando se ocupa um espaço de poder, mesmo sendo algo pequeno, como uma coluna de jornal, sofremos a tentação de querer olhar as pessoas de cima para baixo.

- Aprendi, e não foi agora, mas com muitas pessoas ao longo da vida, como Chico Mendes e dom Moacir Grechi, que a gente tem que olhar de baixo para cima. De baixo para cima a gente consegue enxergar o que está acima de nós. A Amazônia está acima de nós. E com esse olhar a gente é capaz de enxergar que, para fazer algo que seja bom, é preciso se colocar numa perspectiva de serviço, que também pode ser o gesto de abrir o caminho para que outro ocupe o seu lugar. Eu já disse que é melhor ver o filho vivo no colo de outro a vê-lo jazer no próprio colo.

A partir de hoje a senadora passa a cumprir licença de 10 dias para descanso. Vai passsar o final de semana no seu "Acre querido", mas nega a disposição para ser candidata a governadora do Estado.

- Temos bons nomes: Binho Marques, Jorge Viana e Tião Viana. Não estou pensando nas próximas eleições, mas naquilo que será o futuro das próximas gerações.

Leia a entrevista a seguir:

Terra Magazine - Como explica que a sua demissão do Ministério do Meio Ambiente tenha repercutido bem mais, dentro e fora do país, do que a demissão de nosso último ministro da Fazenda?
Marina Silva - O tema está no coração da agenda do mundo e do País, que é uma potência ambiental. A maior audiência mundial em termos de meio ambiente é o Brasil. O que está acontecendo é como se a sociedade brasileira estivesse criando um novo acordo político para dar sutentação ao rumo que precisa ser decidido por nós.

Como assim?
Eu diria que é como se fosse um encruzilhada histórica, civilizatória, entre permanecer no modelo de desenvolvimento do século 19 ou transitar mais rapidamente para o modelo que necessita o século 21. Nesse sentido, toda essa audiência interna que nós temos, configurada na mudança do Ministério do Meio Ambinete, se situa na grande possibilidade de estabelecimento de um novo acordo políticio. Isso permite, tanto ao Lula quanto ao ministro do MMA, consolidar as grandes conquistas dos últimos cinco anos e evitar retrocessos, como baixar a guarda do Plano de Combate ao Desmatamento. Nunca uma mudança de ministro do Meio Ambiente levaria a tanta repercussão, embora eu sempre tenha dito que não faria pirotecnia.

Há quem diga que o movimento social sente-se "mordido" com o tratamento que lhe foi dispensado pelo governo e com a sua saída. Acabou a trégua entre o governo e os ambientalistas?
Eu tive o apoio da academia, das ONGs sérias, de vários segmentos do setor privado e hoje até existem empresas que fazem doação para colaborar com a política ambiental do governo. As pessoas começaram a ver credibilidade no trabalho e a fazer coisas que a gente só via acontecer em outros países. O que fiz foi transformar as boas idéias em politicas públicas.

A Amazônia vai ficar mais tensa ou divertida com Carlos Minc no ministério?
Espero que todos possamos ajudar o novo ministro. A pressão do outro lado é grande, mas já existe uma estrutura que é altamente importante. Ele pode consolidar a base que está encontrando e não permitir retrocesso, como o pretendido pelo governador Blairo Maggi, no sentido de revogar as medidas tomadas recentemente no Plano de Combate ao Desmatamento. É necessária a manutenção da implementação da resolução do Conselho Monetário Nacional que a partir de 1º de julho obriga o sistema financeiro a exigir regularidade ambiental como condição para o crédito rural na Amazônia. Mas existem outras questões como a redução da reserva legal, da criminalização da produção de áreas embargadas. Essas coisas não podem ter retrocesso. É necessário, no âmbito do Plano de Combate ao Desmatamento, fazer com que as ações de desenvolvimento sutentável, como a Operação Arco Verde, possam ser efetivadas.

São bandeiras do movimento social.
Sim. O movimento social sempre reivindicou que não fosse concedido crédito para quem desmata ilegalmente e que não se fizesse dos dados do desmatamento um mistério, que se deveria ter um espaço para discutir as medidas em relação ao desmatamento, a criação de unidades de conservação na frente da expansão predatória, fazendo paredão para impedir a grilagem. Nós criamos 24 milhões de hectares de unidades de conservação. São quase 50% de todas unidades de conservação federais criadas no Brasil. Houve aumento de 59% na área em Unidades de Conservação na Amazônia em cinco anos. Mais que dobrou a área de Reservas Extrativistas, de 5,1 milhões para 10 milhões de hectares. Houve aprovação da Lei da Mata Atlântica, da Lei de Gestão de Florestas Públicas, Dispositivo da Limitação Administrativa Provisória, além de reposicionamento de obras para atender os aspectos ambientais da BR-163, do rio São Francisco, Paiquerê, usinas do Madeira.

Havia pressão dos ambientalistas para se avançar mais?
As pessoas sabiam que muita coisa estava sendo feita em muitas áreas e que em outras precisávamos avançar mais, mas que também sabiam que isso não dependia apenas da Marina Silva. Houve aumento de 50% no total de licenciamentos ambientais entre 2003 e 2006, que passou de 145 empreendimentos licenciados por ano para para 220 licenciamentos de qualidade, sem nenhuma judicialização. Pouca gente sabe que em 2003 havia 45 hidrelétricas judicializadas. Foi criada uma diretoria específica para o licenciamento no Ibama com três coordenações gerais: de petróleo e gás, de energia e transporte e de mineração e obras civis. A equipe técnica era formada por 7 servidores públicos efetivos e 71 contratados temporariamente. Hoje são 149 efetivos, ou seja, 31 temporários, num universo de 180 funcionários.

O que considera ainda como avanços significativos?
A Instrução Normativa nº 65 do Ibama que estabeleceu, pela primeira vez, os procedimentos necessários para a solicitação, análise e emissão de licenças ambientais para usinas hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas. A disponibilização na internet de todas as informações relativas aos licenciamentos de competência do Ibama, por meio do Sistema Informatizado de Licenciamento Ambiental, como por exemplo: relatórios de impacto ambiental, pareceres técnicos e editais de convocação de audiências públicas. Hoje existe o Portal do Licenciamento, que permite o acesso às informações sobre processos conduzidos pelos órgãos ambientais dos 26 estados e do Distrito Federal. Em quatro anos, o Ibama concedeu licença para 21 hidrelétricas, o que representa mais de 4.690 MW, todas sem judicialização.

O que espera do novo ministro como demonstração de continuidade da política ambiental?
Além da manutenção da implementação da resolução do Conselho Monetário Nacional, que lute firmemente contra a alteração do código florestal que levaria a mais desmatamento na Amazônia. É necessário manter e fortalecer as operações de combate ao desmatamento integrando IBAMA, Polícia Federal, Forças Armadas. Dar continuidade ao processo de criação de unidades de conservação, especialmente das reservas extrativistas do Xingu e do Jauaperi-Rio Branco (Roraima), dentre outros, que aguardam decisão na Casa Civil. Lançar e implementar o Plano Nacional de Comunidades Tracionais e investir 1,5 bilhão em ações de apoio ao desenvolvimento das comunidades tradicionais de todos biomas do Brasil. Finalizar e lançar o sistema de pagamento por Serviços Ambientais especialmente para manutenção da floresta em pé. Terminar a implantação do Fundo Amazônia e manter o rigor e ampliar os investimentos no setor de licenciamento para ampliar a qualidade e eficiência no licenciamento ambiental. Minc vai assumir num contexto onde a sociddade quer crescer, mas também quer proteger a nossa riqueza natural.

Não é exigir demais, senadora, sobretudo sabendo que seu mandato estará vigilante à pauta ambiental do país?
Essas coisas todas precisam ser consolidadas e ampliadas, especialmente porque já conta com o grande apoio da sociedade brasileira. Espero que se constitua um novo acordo, que sejam consolidadas todas as conquistas, que não haja retrocesso e que se estabeleça a agenda do desenvolvimento sustentável, que é feita dentro do núcleo denso do governo.

E o seu "querido Acre"?
No momento em que se sente doído, a primeira coisa que se pensa é em estar ao lado dos seus, no aconchego da casa. Estarei no Acre na próxima sexta-feira. Desde o dia que pedi demissão já perdi pelo menos três quilos. Estou só a tala. Do Acre, voltarei para Brasília, para descansar um pouco. A partir de hoje passa a vigorar meu pedido de licença do Senado por razões particulares. Deve durar uns 10 dias, no máximo.

E o governo do Acre?
Não serei candidata ao governo do Acre. Temos bons nomes: Binho Marques, Jorge Viana e Tião Viana. Já sou por demais grata ao povo por me eleger duas vezes para o Senado e por ter sido ministra. Não estou pensando nas proximas eleições, mas naquilo que será o futuro das próximas gerações.

Quais lições aprendeu nestes cinco anos no Ministério do Meio Ambiente?
Quando a gente ocupa um espaço de poder, por mínimo que seja, incluindo uma coluna de jornal, a gente sofre a tentação de querer olhar as pessoas de cima para baixo. Aprendi, e não foi agora, com muitas pessoas ao longo da vida, como Chico Mendes e dom Moacir Grechi, que a gente tem que olhar de baixo para cima. De baixo para cima a gente consegue enxergar o que está acima de nós. A Amazônia está acima de nós. E com esse olhar a gente é capaz de enxergar que, para fazer algo que seja bom, é preciso se colocar numa pesrpectiva de serviço, que também pode ser o gesto de abrir o caminho para que outro ocupe o seu lugar. Eu já disse que é melhor ver o filho vivo no colo de outro a vê-lo jazer no próprio colo. Além disso, aprendi que é muito importante contar com uma equipe diversificada, com competência de todos os setores, naquilo que alguém já disse que "o conhecimento não está com os homens, mas entre os homens". Aprendi, ainda, que a melhor forma de ajudar aos governos é fazendo política de país, porque ela perpassa a vários governos. E eu espero que o plano de combate ao desmatamento se estabeleça e que seja algo que vá além do governo.

Terra Magazine

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