segunda-feira, 9 de junho de 2008

Um planeta de famélicos e obesos

Nesta semana está acontecendo em Roma uma reunião da FAO para tratar do problema da crise alimentar global que ameaça milhões de pessoas. Análises destacam que o problema vem sendo agravado pela concentração da distribuição de alimentos e matérias-primas para a sua produção em mãos de poucas, mas poderosas, empresas. Enquanto isso, são os pobres, e especialmente as crianças, que mais sofrem com a crise alimentar. Segue a matéria de Miguel Mora publicada no El País, 03-06-2008. A tradução é do Cepat.

50 chefes de Estado e de Governo, 150 ministros de Agricultura e cerca de 20 responsáveis de instituições supranacionais se reúnem desde terça-feira (03/06) até hoje [quinta-feira] na sede da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) em Roma para tratar de resolver a crise alimentar global que ameaça milhões de pessoas.

O rascunho das conclusões da reunião, ao qual os países estão dando os últimos retoques por grupos regionais, desenha um futuro “de imenso sofrimento humano, assim como de descontentamento social e instabilidade política, que ameaçam colocar em perigo o desenvolvimento econômico e social”.

Um dado facilitado pela FAO resume graficamente a situação: do lado infeliz há 820 milhões de cidadãos passando fome; entre eles, 178 milhões de crianças desnutridas. Do lado afortunado, 1 bilhão de seres humanos sofrem de sobrepeso; desses, 300 milhões já são obesos.

No relatório que será apresentado à reunião, a FAO admite que os dados da fome não variaram desde 1990, o que equivale a assumir que as políticas desenvolvidas até agora foram um fracasso. O estudo atribui a crise à mudança climática, à escassez de cereais (a produção está no mínimo histórico desde 1983), ao aumento da demanda na China e na Índia, ao preço do petróleo, à elaboração de biocombustíveis, à especulação que domina os mercados de futuros de sementes e matérias-primas, e a uma política agrícola e comercial protecionista e não solidária.

Muitos problemas diferentes que, se não forem resolvidos rapidamente, podem piorar o panorama. Segundo a Oxfam, se os países continuarem investindo em biocombustíveis e não em alimentos para o consumo humano, em 2025 haverá 600 milhões a mais de esfomeados no mundo.

Um fenômeno recente começa a preocupar os especialistas: junto com a desnutrição que grassa uma parte do mundo, a má alimentação começa a causar estragos na outra metade. No México, o número de pessoas obesas e com sobrepeso duplicou entre a população mais pobre entre 1988 e 1998, e chega hoje a 60%.

A culpa, destacam diversas ONGs que participam da reunião, não é tanto dos países mas de um modelo liberal em que mandam as multinacionais e os intermediários. Segundo Antonio Onorati, da Crocevia, “os preços agrícolas são decididos pelos grandes distribuidores, cadeias como Auchan ou Wal-Mart que compram diretamente dos produtores e ganham a fatia maior do preço final”.

Marco de Ponte, secretário-geral italiano da Ajuda e Ação, tornou pública a lista das cinco empresas que controlam mais de 80% do mercado de cereais, com os lucros de 2007: Cargill (36%), Archer Daniels Midland (67%), ConAgra (30%), Bunge (49%) e Dreyfuss (19% em 2006).

Outro setor em expansão é o dos produtores de sementes, herbicidas e pesticidas: Monsanto, Bayer, Dupont, Basf, Dow, Potashcorp… “A globalização alterou a relação comercial da agricultura”, explica Alberto López, representante espanhol na FAO. “O capital que antes especulava em imobiliárias está hoje na compra de futuros de matérias-primas. A demanda cresceu muito rapidamente e é necessário conter o impacto facilitando a distribuição, a eficácia produtiva e o consumo responsável”.

A FAO propõe soluções a curto, médio e longo prazos: mais dinheiro, mais ajuda aos países pobres, um comércio mais justo, melhor coordenação entre as instituições e as ONGs, potencializar a produção em pequena escala, orientada ao consumo local e regional.

Entretanto, os preços cada vez mais altos dos alimentos estão agravando o problema para a parte mais frágil da cadeia, a infância. A organização Médicos sem Fronteiras exige em Roma ajuda imediata para as 20 milhões de crianças que sofrem de desnutrição aguda. “Nas últimas semanas vimos um aumento brutal de casos na Etiópia, onde já há 120.000 crianças em situação de emergência médica”, lembra Javier Sancho.

(www.ecodebate.com.br) publicado pelo IHU On-line, 05/06/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.

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