A reciclagem é pauta permanente nas teses ambientalistas e sempre comemoramos os índices crescentes de reciclagem. Mas, no que se refere à reciclagem de alumínio, caímos na armadilha da mentira de boa-fé, se é que isto existe.
Explico melhor – Sempre dizemos e ouvimos dizer a importância da reciclagem do alumínio para o meio ambiente, porque a reciclagem reduz a demanda pela extração de bauxita, reduz a demanda por energia elétrica e minimiza a geração de resíduos tóxicos.
A ABAL (Associação Brasileira do Alumínio) afirma que “A reciclagem do alumínio representa uma combinação única de vantagens. Economiza recursos naturais, energia elétrica - no processo, consome-se apenas 5% da energia necessária para produção do alumínio primário -, além de oferecer ganhos sociais e econômicos.”
Seria ótimo se fosse verdade, mas infelizmente não é. O Brasil é recordista mundial na reciclagem de alumínio, com a marca de 96,2%. Somos os maiores recicladores de alumínio, seguidos de perto pelo Japão com pouco mais de 92%. Os EUA, por exemplo, reciclam “apenas” 52%. Somos mais conscientes do que eles? É pouco provável.
Se o mito fosse verdadeiro já teríamos reduzindo drasticamente a extração de bauxita, a demanda de energia e a geração de resíduos. É o que seria lógico diante de seguidos recordes de reciclagem. No entanto, nos últimos 10 anos, tivemos crescentes recordes anuais de extração bauxita, de demanda de energia na produção de alumínio e na geração de resíduos do processo de produção.
A produção brasileira de alumínio primário cresce, há mais de 10 anos, acima de 3% ao ano. Reciclamos cada vez mais e, ao mesmo tempo, produzimos cada vez mais alumínio primário. Como é possível?
Simples. A reciclagem de alumínio permite atender ao mercado interno, facilitando a crescente exportação de alumínio plano, semi-acabado. Assim o atendimento ao mercado interno pela reciclagem, aumenta o potencial de exportação.
No caso brasileiro, a reciclagem é socialmente importante (mais de 150 mil pessoas dependem disto, dos catadores às cooperativas de reciclagem), mas em nada reduz o impacto ambiental, exceto no que se refere à redução de carga nos aterros sanitários e lixões.
A enorme demanda de energia elétrica para a produção do alumínio plano é a real razão para o rolo compressor ativado para a construção das hidrelétricas na Amazônia. Imensas áreas de floresta alagadas, milhares de pessoas removidas, gigantescos financiamentos públicos, tarifas subsidiadas, e todas as demais benesses que esta indústria sempre recebeu.
Ancorado no argumento do risco de apagão, o governo continua investindo no aumento da geração de energia elétrica para atendimento à indústria eletro-intensiva, que sozinha consome 1/5 de toda a geração brasileira.
É o caso da usina de Estreito, no Maranhão, que será construída especificamente para atender a indústria de alumínio no Maranhão e a mineração no Pará.
Aliás, depois de décadas de pesados subsídios, não são perceptíveis os reais resultados sociais e econômicos para a população do Pará e Maranhão.
Assim podemos inferir que a reciclagem é extremamente importante para o meio ambiente do Canadá ou dos EUA, onde as grandes produtoras de alumínio, por exemplo, fazem o beneficiamento do alumínio plano, com pouca demanda de energia elétrica e reduzida geração de resíduos, obtendo, com baixos impactos sócio-ambientais, produtos com elevado valor agregado.
Como em outras áreas, é a versão século XXI do modelo colonial, no qual as colônias exportavam produtos primários (com pequeno valor agregado) para beneficiamento pelas metrópoles, as quais reexportavam (com grande valor agregado). Foi assim que as colônias financiaram o desenvolvimento dos países colonialistas e ainda é assim que o terceiro mundo financia os países que se dizem desenvolvidos.
Portanto, dizer que a reciclagem é benéfica para o meio ambiente no Brasil é uma meia-verdade ou, se preferirem, uma meia-mentira.
Podemos e devemos incentivar a reciclagem, mas isto não deve nos anestesiar em relação à questão principal: Precisamos iniciar as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, alumínio primário, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.
Ou questionamos e encontramos um outro modelo de desenvolvimento ou continuaremos no modelo colonial de exportação de produtos primários. É o que fazemos desde o descobrimento (apenas mudamos de senhores ao longo do tempo) e ainda não chegamos lá.
Parafraseando o jornalista e ambientalista Washington Novaes, se devastação e exploração irracional de recursos naturais levasse ao desenvolvimento, já seríamos o mais rico e desenvolvido país do mundo.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate
publicado pelo EcoDebate.com.br - 09/08/2007
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