Por Julia Dietrich, do Aprendiz
"No século passado quem dominava os meios de produção, controlava a sociedade. Hoje, domina quem possui o conhecimento e o controle da informação". A afirmação partiu do professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ladislau Dowbor, em mesa comemorativa aos 20 anos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que aconteceu em São Paulo.
Para ele, a questão de consumo está diretamente associada ao poder midiático das empresas. "Não se produz mais em função de necessidades e sim em função dos interesses do próprio produtor", disse.
"Colonizar nossa cabeça está de graça. Por 30 segundos na televisão, a Nike paga U$ 50 mil. É muito barato. Para piorar a situação, segundo uma pesquisadora norte-americana, uma criança passa a ser consumidora potencial a partir dos três meses de idade. Quem controla tudo isso?", completou.
A pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Fátima Portilho, que também participou do encontro, explicou que a partir da década de 1990 implementou-se a idéia catastrófica do consumo. "Consumir passou a ser considerado socialmente injusto, moralmente indesejável e ambientalmente insustentável".
Segundo a palestrante, tal construção foi produzida por Estados e empresas para transferir para o consumidor toda a responsabilidade sobre os impactos do consumo. "Antes tidos como alienados, os consumidores passaram a ser vistos como atores sociais culpados, responsáveis pelo impacto do consumo em grupos sociais e ecossistemas", lembrou.
Mesmo sendo colocados como os culpados pelas conseqüências negativas do consumo desenfreado, os consumidores não passaram a comprar menos. Para Portilho as pessoas são reféns dos bens de consumo, pois sem eles não é possível construir uma identidade. "Formou-se uma dicotomia". Os indivíduos passaram a precisar consumir menos para poupar o globo, ao mesmo tempo que precisavam consumir para pertencer a algum grupo.
Para resolver o dilema, Dowbor é entusiasta de licenças como a creative commons (licenças padronizadas para gestão aberta, livre e compartilhada de conteúdos e informação). "É necessário pensar em alternativas como o consumo coletivo, mediado por outras estruturas. Entre elas, o Estado e instituições como o Idec", explicou.
Possivelmente o consumo verde ou sustentável seria outra saída, mas antes é preciso romper com fortes interesses comerciais. "É muito mais barato pagar US$2 por barril de petróleo da Arábia Saudita e vendê-lo por US$70 do que investir em outras tecnologias. Enquanto isso, o planeta acaba", apontou Dowbor.
Como maior motivador para uma mudança, Dowbor lembrou que quatro bilhões de pessoas não participam dos benefícios da globalização e que a tragédia mundial da concentração de renda e concentração de riqueza familiar só tendem a se agravar. "Não há viabilidade desse padrão de consumo em escala planetária", apontou.
"Não devemos mais pensar só na Agenda 21, devemos pensar em uma agenda de cozinha. Ou seja, politizar a esfera privada da mesa da cozinha de cada cidadão", disse Portilho. "Consumir é participar de cenários de disputas por aquilo que a sociedade produz nos moldes que a sociedade produz. Consumir não é uma atividade neutra. Ao formular e reivindicar uma insatisfação privada, ela se torna pública".
Para ela, os movimentos consumidores podem ser revolucionários a partir de uma nova energia utópica e não só como agentes de resistência. "Devemos pensar nas ações de boicote, redes de consumidores, consumo solidário, ético e responsável e realmente nos questionarmos sobre o potencial transformador do próprio consumo", argumentou. "Consumo e cidadania podem ser vistos de forma conjunta e inseparável, pois ambos dão sentido de pertencimento e coletividade. Uma vez consumidores, sejamos consumidores da oposição", concluiu.
(Envolverde/Aprendiz)
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