Professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o sociólogo Luiz Fernando Novoa alerta: as grandes obras na Amazônia, patrocinadas com dinheiro de multinacionais, estão passando sobre os direitos humanos de quem mora na região para criar poderosos nichos de mercado onde os beneficiados serão os próprios investidores. O processo ganhou o aval dos governos sul-americanos em 2000, com a assinatura da Integração da Infra-Estrutura Regional na América do Sul (Iirsa) é e entusiasticamente defendido pelo governo Lula.
Para Novoa, o desenvolvimento sustentável tornou-se a mais nova investida desse capital internacional, velho conhecido dos movimentos sociais e que tenta há décadas instaurar o mesmo ciclo de miséria, violência e descontrole ambiental que ameaça a sobrevivência no resto do planeta.
Veja uma breve entrevista com o integrante da Rede Brasil, que em Rondônia faz grande mobilização popular sobre as hidrelétricas do Madeira exatamente pela falta de clareza nas conseqüências dessas obras.
O que é e como nasceu o Iirsa?
Iirsa quer dizer Integração da Infra-estrutura Regional na América do Sul e vem sendo discutido desde 2000 a partir da Cúpula de Presidentes de América do Sul, realizada em Brasília, entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2000, a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Algumas pessoas reclamam que as críticas ao desenvolvimento não levam em conta a necessidade dos povos da região. Não é isso o que o Iirsa propõe, desenvolvimento, apenas?
O Iirsa é um megaprojeto centrado essencialmente nos setores de transporte, energia e telecomunicações que pretende criar grandes canais, multimodais, construindo e interligando a utilização de hidrovias, rodovias, aeroportos e portos.
Desculpe, o que significa "multimodais"?
São chamados "multimodais" exatamente por fornecerem múltiplos "modos" de transporte. Quando observamos o mapa do Iirsa, vemos que se trata de um projeto de infra-estrutura voltado ao desenvolvimento de canais de exportação dos recursos naturais da América do Sul para fora.
Qual a conexão do Iirsa com outros projetos de integração do continente?
A Alca busca essencialmente liberalizar o comércio e o investimento e inversamente proteger a tecnologia e o conhecimento científico (e é bom ler "liberalizar" como dar plena liberdade ao capital privado, privatizar e concentrar poder nas corporações transnacionais). Além da Alca estamos hoje identificando no continente vários outros projetos chamados de livre comércio. A maior parte deles são tratados pelos EUA com outros países do continente americano, seja individualmente, como o Tratado entre os EUA e o Chile, assinado em dezembro de 2002, seja com um bloco sub-regional, como o Tratado de Livre Comércio em negociação com a América Central, e outro com os países que compõem o Pacto Andino. A Alca e outros tratados de livre comércio são de fato estratégias continentais dos EUA para controlar o comércio e o investimento de todas as Américas.
Mas em todos há sempre interesse dos EUA?
Alguns desses acordos são firmados apenas entre outros países, são acordos de comércio, não? Calma, no plano subcontinental existem outros projetos. É o caso do Plano Puebla - Panamá, localizado entre o México e a América Central, visando essencialmente a construção e interligação da infra-estrutura viária e hidroviária daquela região, além de abranger o setor de energia, de telecomunicações e de turismo. Outro projeto, que se insere no âmbito sub-continental, é a construção de um novo canal do Panamá na fronteira com a Colômbia: o canal inter-oceânico Atrato-Truandó (opção do estado colombiano) e/ou Atrato-Cacarica-San Miguel (opção proposta e preferida pelos Estados Unidos). Esse novo canal é o elo de ligação entre o Plano Puebla-Panamá (PPP) e o Iirsa, uma vez que ele permite a ligação geográfica entre a América Central e a América do Sul, independente do antigo Canal do Panamá, hoje sob controle da China.
Mas qual é o problema que o senhor localiza nesses acordos?
Em uma declaração feita em 2003 na Comissão de Direitos Humanos da ONU, intitulada "Amenazas sobre los derechos fundamentales de los pueblos indígenas de Colômbia" [lendo em espanhol], a Associação Americana de Juristas denuncia que esses projetos têm efetuado violações de direitos humanos na Colômbia. Cita o Iirsa como uma ameaça que as populações indígenas, principalmente os Achagua, percam o seu território em uma das poucas áreas na Colômbia em que o grande latifúndio não domina. Não é a minha opinião, é a das populações tradicionais, vítimas do IIRSA. Leia, o documento está na internet [o leitor que se interessar poderá acessá-lo em http://www.cetim.ch/2003/03ec15r4.htm]
Mas o senhor não concorda que haveria um intercâmbio, uma troca de interesses, nas ações do Iirsa e essas populações tradicionais?
O Iirsa interessa aos grandes grupos econômicos, sobretudo os norte-americanos, que muito irão lucrar na construção e implementação desse projeto. É o caso da telefonia, das empresas de energia, das construtoras etc. Interessa aos bancos multilaterais, que continuarão garantindo empréstimos a altas taxas de juros e tendo como certo seu retorno financeiro. Interessa às elites locais, que continuarão vendendo o patrimônio de suas nações, como o seu território, as reservas de água, a possibilidade de desenvolverem tecnologia própria avançada etc.
E as conseqüências para a população, o homem comum?
Toda a população nativa da América do Sul, os povos indígenas, todos perdem. Perdem os agricultores, que serão forçados a entregar suas terras para abrir caminho aos megaprojetos. Perdem os 12 países da América do Sul, que terão seus territórios cortados por grandes rodovias e ferrovias para escoamento de suas riquezas. Perde o meio ambiente, pelo impacto que esses projetos irão provocar. Vale a pena lembrar que a América do Sul possui grandes reservas de petróleo - Equador, Venezuela (5º maior exportador do mundo), Brasil, Bolívia (gás), e toda a região amazônica. Aliás, a biodiversidade está em risco, assim como o bem que será o mais precioso de todos no futuro: a água.
Que projeto estratégico de desenvolvimento está presente no Iirsa?
A estratégia central é colocar as transnacionais como principal ator econômico controlador dos recursos naturais do continente latino-americano. E a força política que será hegemônica não poderá ser outra senão o governo do país mais forte e rico das Américas, os Estados Unidos. A necessidade de que se invista na infra-estrutura na América do Sul não é resolvida por esse tipo de projeto. Ao criticar o Iirsa não estamos dizendo que não é necessário construir rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos, ou investir no setor elétrico e nas telecomunicações.
Então qual é o sentido das críticas?
Muita gente pensa exatamente isso! O que não podemos aceitar, inclusive a imprensa, é que os projetos em negociação ou em andamento, o PPP, a construção do novo canal do Panamá e o IIRSA sirvam apenas para garantir a construção de novas rotas para o saqueio em nosso continente. É necessário que qualquer projeto de desenvolvimento considere os direitos das populações indígenas, camponesas e afro-descendentes, assim como a conservação das florestas, dos rios, da biodiversidade.
Então a idéia é estimular o controle ambiental?
É necessário conservar nas mãos desses povos e nações o controle sobre os seus próprios recursos naturais. Eles são um patrimônio comum, não podem ser tratados como meras mercadorias a ser exploradas visando apenas o lucro e a concentração de riquezas materiais nas mãos de um número cada vez menor de beneficiários. E o desenvolvimento tem que ser concebido para além do simples avanço técnico e do crescimento econômico: a razão de ser de toda atividade econômica deve ser o desenvolvimento humano e social, é para ele que devem servir a tecnologia e a produção de riquezas.
Maiores informações http://www.Iirsa.org (site oficial do Iirsa). Ou na publicação da ONG Rios Vivos sobre a Iirsa, suas estratégias e objetivos.
Fonte: Ambiente Já / A Tribuna (Por Josafá Batista)
Fonte: Ambiente Já
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