quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Projeto ameaça 70% das grutas do país

Cerca de 70% das cavernas do Brasil correm o risco de destruição.
Hoje, as 7.300 já identificadas são protegidas por um decreto assinado
em 1990. Nos próximos dias, o governo federal deve alterar a norma,
após dois anos de pressão de empresas, sobretudo mineradoras e
hidrelétricas, que vêem nas grutas um empecilho à expansão de seus
empreendimentos.

A minuta, enviada na semana passada para a Casa Civil, autoriza, na
prática, que cavernas que não sejam de "máxima prioridade" sofram
"impactos negativos irreversíveis".

Isso significa que cavernas que estejam em outros três novos critérios
poderão ser alteradas. Grutas com "alta relevância", por exemplo,
poderão ser destruídas desde que o empreendedor se comprometa a
preservar duas similares.

Para formações com "média relevância", o projeto prevê a destruição
desde que o responsável pela obra financie ações que contribuam para a
"conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro"
--sem especificar quais.

Já cavernas com "baixo grau de relevância" poderão ser impactadas sem
contrapartidas. O Ministério do Meio Ambiente terá 60 dias para
elaborar os critérios de relevância a partir da aprovação.

O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) diz que o novo decreto
trará avanços. "Essa indefinição, que dura anos, afastou investimentos
estrangeiros do país", afirma o presidente do instituto, Paulo Camillo.

"Há cavernas belíssimas que, claro, precisam ser preservadas. Mas é
preciso criar um sistema para valorar o grau de importância dessas
cavernas, porque muitas são inúteis", diz Rinaldo Mancin, diretor de
assuntos ambientais do Ibram.

Segundo o Cecav (Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de
Cavernas), do Instituto Chico Mendes, a maior parte das cavernas
mapeadas no Brasil foi descoberta na última década. O Cecav e a SBE
(Sociedade Brasileira de Espeleologia) estimam que 70% das cavernas
possam ser destruídas com a nova lei.

Somente na região de Carajás, no Pará, onde atua a Vale, pesquisadores
patrocinados pela própria companhia descobriram mais de mil cavernas
que, segundo a empresa, impedem a exploração mineral.

A instalação de uma hidrelétrica pelo grupo Votorantim no vale do
Tijuco Alto, em São Paulo, também enfrenta restrições devido a duas
grutas localizadas na área a ser alagada, 450 dolinas (depressões em
terrenos calcários) e outras 52 grutas e abismos na área de influência
direta do projeto.

Para o secretário-executivo da SBE, Marcelo Rasteiro, o projeto, como
foi apresentado, é "nefasto". Ele diz que a importância das cavernas
não pode ser medida facilmente.

Livro para o passado

"Essas cavernas guardam registros do passado, trazem informações nos
campos paleontológico, arqueológico, biológico e geológico. Cada uma é
como um livro. A partir de alguns estudos, por exemplo, foi possível
descobrir se chovia mais ou menos na região em determinado período.
Isso é uma chave para entender questões como o aquecimento global."

Rasteiro diz ainda que a análise sobre a importância de cavernas
deverá ser feita por consultores ambientais pagos pelas empresas, o
que pode gerar pressão para laudos favoráveis ao interesse econômico.
"Não há nenhum indício de que as cavernas estejam atrapalhando
qualquer setor da economia brasileira. O setor mineral tem aumentado
sua produção a cada ano."

Segundo Rita de Cássia Surrage, do Cecav, o órgão participou dos
estudos com os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia nos
últimos dois anos, mas suas sugestões foram ignoradas no projeto final.

"Eles querem algo fácil de fazer. Dizem que nossas sugestões eram
complexas. Mas não dá para entrar em uma caverna, sair e avaliar na
hora. Estudos são necessários. Vai acabar na mão dos Estados a decisão
de definir quais vão poder ser impactadas, sem critério algum."

Licenciamento

A Votorantim diz que na construção da hidrelétrica no interior de SP
as grutas que serão submersas são "pequenas e pouco expressivas".

Já a Vale afirma que não revela seu estudo sobre cavernas em razão de
"questões estratégicas" e nem comenta a possibilidade de destruição.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o que importa é que as cavernas
realmente importantes sejam "conservadas e valorizadas". "Tudo está
sendo discutido. Essa nova norma não significa que tudo será
destruído", diz a secretária de Biodiversidades e Florestas, Maria
Cecília Wey de Brito.


MATHEUS PICHONELLI
THIAGO REIS
da Agência Folha

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mercados de carbono da UE e do Protocolo de Quioto completam conexão

A ligação entre os mercados de carbono da União Européia (EU) e do Protocolo de Quioto foi completada nessa quinta-feira (16) pela manhã, após meses de atrasos por problemas técnicos

A conexão permite que os países participantes do esquema de comércio de emissões da UE importem créditos de carbono gerados por projetos realizados em países em desenvolvimento com o objetivo de reduzir as emissões com menor custo, pelo chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto no Protocolo de Quioto.

“As transações estão acontecendo e tudo parece estar certo”, afirma o comissário do Meio Ambiente da EU, Stavros Dimas.

Os participantes do mercado estavam ansiosos esperando por essa união dos dois esquemas desde 2007 – a ligação não havia ocorrido até agora em função de atrasos no desenvolvimento da tecnologia necessária. Segundo a Reuters, havia temores de que a falta de uma ligação funcional resultasse em falha na entrega dos contratos futuros por parte dos vendedores de Reduções Certificadas de Emissão (RCEs, as unidades transacionadas pelo MDL).

“A ligação deveria reduzir os preços [das emissões] em curto prazo, sendo que eu esperaria mais vendedores do que compradores no mercado”, avalia Trevor Sikorski, da Barclays Capital.

Ainda conforme a Reuters, os analistas esperam que o a diferença de preço entre os créditos provenentes de RCEs e de permissões européias nos contratos de balcão aumente num primeiro momento, enquanto os vendedores de RCEs correm para o mercado para levantar fundos.
“O spread RCE– EUA deve diminuir para €1,50 ou €2 ao longo de 2009, pois parece que haverá um déficit de RCEs”, comenta o analista da Societé Générale, Emmanuel Fages.

Segundo a chefe de comercialização da Ecosecurities na Europa, Lisa Ashford, “a ligação oferece muito mais clareza em termos de transferência das RCEs, tornando a entrega muito mais simples, mas não necessariamente terá um grande impacto sobre as transações”.
Crise

O mercado mundial de carbono tem passado por um período de incertezas devido à crise global dos créditos, e muitos países da UE colocam em cheque as suas metas climáticas para 2020. Mas as reações começam a ficar mais positivas para o clima, ao passo que as negociações evoluem.

Na quarta-feira (15), o secretário de mudanças climáticas e energia da Inglaterra, Ed Miliband, anunciou que está considerando aumentar as metas de redução das emissões de CO2 de 60% para 80% em 2050. Ele insiste que o país não irá retroceder nos compromissos climáticos devido à recessão.

“Após os eventos das últimas três semanas, não seria verdade dizer que as mudanças climáticas são prioridade na cabeça de milhões de pessoas. Mas política é liderança, e isto significa dizer que esta é uma questão incrivelmente importante, não apenas para nós, mas para as nossas crianças”, afirma Miliband em reportagem do The Guardian.

Tanto ele quanto o presidente francês Nicolas Sarkozy, ressaltam a importância da decisão que será feita até o final do ano sobre o pacote energético-climático da UE para 2020.

“É assim que poderemos enviar o sinal de que somos capazes de conseguir um acordo sobre um novo tratado global da ONU em Copenhague no final do próximo ano”, afirma Miliband. “Estou absolutamente comprometido com os 30%”, completa ao se referir às metas de redução das emissões de gases do efeito estufa da UE para 2020, caso um acordo global seja alcançado em 2009.

Sarkozy ratifica a declaração de Miliband: “nós vamos alcançar um compromisso para um grande acordo” sobre o pacote energético-climático da UE. Segundo o presidente francês, diversos líderes europeus demonstraram relutância quanto ao ambicioso plano, mas “nenhum deles diz que renunciará aos objetivos e ao calendário”. A França é a atual portadora da presidência rotativa da UE.

Dois bilhões de toneladas

Apesar da instabilidade econômica atual, na segunda-feira (13) a Bolsa do Clima da Europa (ECX) anunciou ter ultrapassado a marca de 2 bilhões de toneladas de CO2e negociadas. Os contratos derivados de créditos de carbono na ECX cresceram de 95 milhões de toneladas durante o primeiro ano em 2005 para 450 milhões de toneladas em 2006 e para mais de 1 bilhão de toneladas em 2007.

O chefe-executivo da ECX, Patrick Birley, atribui os indicadores positivos ao sucesso da introdução do sistema “cap and trade” na Europa.

O “cap and trade” é um sistema de comércio de emissões, no qual as emissões totais são limitadas. O Protocolo de Quioto é um sistema do tipo “cap and trade” no sentido de que as emissões dos países do Anexo B são limitadas e as permissões em excesso podem ser negociadas em um mercado.

* Com informações de agências internacionais. (*) Por Fernanda B Muller, do Carbono Brasil

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Mutirão do Lixo Eletrônico: Dia 30 de outubro em todo o Estado de São Paulo

Celulares, baterias e pilhas recarregáveis sem utilidade serão recolhidos em campanha da secretaria do Meio Ambiente

Quando um celular, uma bateria ou uma pilha recarregável deixa de ter utilidade, o que é que deve ser feito? Essa dúvida paira na cabeça de milhares de brasileiros, que por não saberem onde descartar estes materiais, acabam depositando-os em lixos comuns que vão para os aterros de resíduos domiciliares. É aí que começa o problema: a destinação inadequada do lixo eletrônico, ou “e-lixo”, pode causar a contaminação de rios e reservatórios, do solo, além de trazer danos à saúde humana.

A questão da destinação correta do e-lixo é o que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo quer abordar, no dia 30 de outubro, quando realiza o “Mutirão do Lixo Eletrônico”. Prefeituras municipais de todo o Estado vão receber urnas para a coleta do lixo eletrônico e empresas de diversos segmentos também vão atuar como parceiras no Mutirão, coletando o e-lixo, incentivando e divulgando a ação aos seus funcionários. Na capital, a população poderá trocar o lixo eletrônico por mini-coletores para serem utilizados em casa ou no trabalho.

A iniciativa vem em boa hora, justamente quando o Brasil já superou a marca dos 120 milhões de celulares no país e os computadores passaram a casa dos 30 milhões e são substituídos cada vez mais rápido por máquinas mais modernas. O Mutirão também vai abordar a questão da reciclagem, já que muitas substâncias contidas em um equipamento eletrônico podem vir a ser reutilizadas, em vez de descartadas. De um quilo de celular, por exemplo, pode-se reaproveitar de 100 a 150 miligramas (mg) de ouro, 400 a 600 mg de prata, 20 a 30 mg de paládio, 100 a 130 gramas (g) de cobre e 200g de plástico. Ou seja, o e-lixo também pode significar fonte de renda associada à preservação ambiental.

Todas as informações sobre o Mutirão, assim como dados sobre o e-lixo e promoção cultural, estão disponíveis no hot site da campanha: http://www.ambiente.sp.gov.br/mutiraodolixoeletronico

Contamos com a colaboração de todos os interessados para o sucesso deste Mutirão e ao manifestar interesse na participação:

1) Pedimos as seguintes informações com urgência:

  • Nome da pessoa responsável pelo recebimento da urna coletora
  • Endereço completo para envio da urna coletora - Favor incluir CEP e telefone para contato.
  • Informar a possibilidade de recebimento do material no sábado

Essas informações serão repassadas para a empresa responsável pela coleta de material, por isso pedimos a máxima urgência.

2) As faixas e os cartazes do Mutirão do Lixo Eletrônico já estão à disposição dos interessados.
Para que possamos separar e disponibilizar o material aqui na sede da SMA entre em contato com

Endereço:Avenida Professor Frederico Hermann Jr. 345 – 1º andar- Assessoria de Comunicação

Alto de Pinheiros – São Paulo - Tel: 11-3133-4174 (Guimar) / 3133-3377 (Ana)


Para cadastrar a programação para a data, acesse

http://www.cetesb.sp.gov.br/mutiraodolixoeletronico/evento.asp

Sobre o Mutirão

O Mutirão do Lixo Eletrônico integra o Projeto Ambiental Estratégico “Mutirões Ambientais” da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Desde setembro do ano passado, o projeto já realizou cinco mutirões – Mutirão Verde (plantio e conservação de árvores), Mutirão Ambiental (“evite sacolas plásticas”), Mar Limpo (recolhimento de resíduo sólidos no mar), Mutirão Azul (uso racional da água) e Mutirão da Carona (uso racional dos veículos e redução da poluição atmosférica).

Alguns dados sobre o E-Lixo:

- No lixo eletrônico é possível encontrar substâncias tóxicas como chumbo, cádmio, arsênio e mercúrio (Fonte: SBPC);

- Todos os anos são gerados 50 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos no planeta (Fonte: CDI);

- Um celular tem um tempo médio de vida de 18 meses (Fonte: Vivo);

- O Brasil já possui 122 milhões de celulares. São 64 aparelhos para cada 100 habitantes. (Fonte: Anatel);

- A cada segundo, 23 celulares são fabricados no mundo. (Fonte: Motorola);

- Um chip eletrônico exige 72 gramas de substâncias químicas e 32 litros de água para ser produzido. (Fonte: CDI);

- A cada quatro anos, as empresas substituem os seus computadores. Nos domicílios, levam-se cinco anos para trocarem esta máquina (Fonte: Abinee);

- Estima-se que 40% das pilhas comuns vendidas no Brasil sejam falsificadas. (Fonte: Abinee).

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A guerra contra a água engarrafada toma conta dos Estados Unidos

Yves Eudes
Em McCloud (Califórnia)


Oficialmente, Debra Anderson, uma elegante mulher de cerca de 40 anos, administra uma agência imobiliária em sua cidade natal de McCloud, um pequeno vilarejo turístico situado nos contrafortes do majestoso monte Shasta, no norte da Califórnia. Na realidade, Debra deixou o seu marido lidar com os seus negócios. Ela prefere dedicar seu tempo e sua energia para lutar contra o grupo Nestlé.

Um dia de 2003, Debra é informada de que o conselho do distrito está organizando uma reunião de informação a respeito de um projeto de construção, pela Nestlé, de um complexo industrial que captará a água do rio McCloud na sua fonte. O recurso será engarrafado e comercializado pela multinacional: "Os funcionários da Nestlé nos apresentaram um projeto enorme, eu pensava que aquela era uma simples reunião preliminar". Ora, no dia seguinte, a cidade se depara com a informação de que, logo depois do encerramento da reunião, o conselho assinou sem mais nem menos o contrato proposto pela Nestlé.

Chocada diante desta precipitação, Debra consegue uma cópia do documento: "A Nestlé havia conseguido obter condições inacreditáveis: não seria realizado nenhum estudo prévio de impacto ambiental; tratava-se de um contrato exclusivo de cem anos, pelo qual a companhia teria o direito de bombear até 4.700 litros de água por minuto - inclusive em detrimento dos habitantes durante os períodos de seca -; o preço de compra da área de captação era irrisório, e o acordo outorgava à Nestlé o direito de demolir por completo a antiga usina de madeira da cidade, ao passo que existe um projeto de transformação destas construções numa zona de atividades alternativas. . ." Em troca, a Nestlé se comprometia a criar 240 empregos, e a pagar diversas taxas e impostos. Na realidade, uma vez que a região era considerada pelo Estado como uma zona desfavorecida, a multinacional acabaria sendo beneficiada por reduções de encargos fiscais.

Debra, que sempre votou em favor do Partido Republicano, nada tem contra a livre empresa, mas, neste caso, a Nestlé tinha ido longe demais: "O conselho do distrito era composto por simples cidadãos, que eram obviamente incapazes de conduzirem negociações neste nível. Os advogados e os especialistas da Nestlé os manipularam como bem entenderam".

Junto com alguns amigos e colegas de profissão, ela se lança então numa aventura que vai mudar a sua vida. O objetivo é de obter a anulação deste contrato leonino. Sem se dar conta disso, ela acaba de declarar a guerra contra uma companhia de envergadura mundial. A Nestlé Waters, uma divisão da multinacional suíça, possui 72 marcas de água mineral, que são produzidas numa centena de usinas instaladas em 38 países. Apenas durante o ano de 2007, ela registrou um faturamento de 6,3 bilhões de euros (cerca de R$ 17 bilhões). Nos Estados Unidos, a Nestlé controla cerca de um terço do mercado da água engarrafada. Ela possui cerca de vinte usinas e registra um faturamento de cerca de 2,8 bilhões de euros (R$ 7,54 bilhões). Só que nada disso assusta Debra e seus amigos, que fundam uma associação, o McCloud Watershed Council (Conselho da região hidrográfica de McCloud), e empreendem uma campanha intensiva de informação dos cidadãos, que envolve abaixo-assinados, atos de protesto, panfletos, palestras. . . Ao relembrar hoje daquele período, Debra ri da sua ingenuidade: "Nós estávamos convencidos de que o problema seria solucionado no espaço de algumas semanas".

Muito rapidamente, o Watershed Council reúne cidadãos que, à primeira vista, nada tinham a ver uns com os outros, nem a fazer juntos: eram republicanos conservadores, democratas liberais, ecologistas, e havia até mesmo um advogado de San Francisco, proprietário de uma residência secundária em McCloud, que se define como um marxista puro e duro. Sem demora, o combate do Watershed Council muda de natureza. Os ecologistas argumentam que, para transportar a sua água, a Nestlé passará a fazer circularem noite e dia centenas de caminhões de carga pela cidade. Eles insistem também no fato de que a fabricação, o transporte e a eliminação das garrafas de plástico representam um vasto desperdício de matérias-primas e de energia. Então, o Watershed Council passa a distribuir garrafas de alumínio, que podem ser reaproveitadas por muito tempo, e que os cidadãos podem encher com água da torneira, praticamente gratuita e perfeitamente puro, uma vez que ela provém da fonte que a Nestlé quer captar. Por fim, e, sobretudo, ao bombear massas tão consideráveis de água, a usina apresentaria o risco de provocar uma diminuição do nível dos rios e dos lagos, e ainda de secar os poços e de perturbar o lençol freático, provocando reações em cadeia incontroláveis que colocariam em perigo o ecossistema do vale.

Os militantes democratas contribuem para acrescentar uma problemática mais política: a água não é uma mercadoria, mas sim um elemento indispensável para a vida, e, como tal, é uma riqueza que deve permanecer no domínio público. Portanto, é imprescindível lutar contra a sua privatização, quer se trate da captação de fontes para o engarrafamento das suas águas, quer da compra das redes hidrográficas municipais por sociedades tais como Veolia ou Suez, muito ativas nos Estados Unidos. Considerada a partir de McCloud, a população americana tornou-se a vítima de uma globalização selvagem conduzida por europeus, com a ajuda da Organização Mundial do Comércio (OMC). . .

Aos poucos, o Watershed Council consegue obter a ajuda de grandes fundações filantrópicas e de associações de proteção do meio-ambiente. Ele vai travando uma guerrilha judiciária com o objetivo de obter a anulação do contrato, insiste na realização de estudos de impacto ambiental, e consegue atrasar a liberação das licenças para construir. . . Mas, apesar dos seus esforços, Debra e sua equipe convenceram apenas uma parte dos cidadãos de McCloud. Alguns deles fundaram até mesmo uma associação "pró-Nestlé". Por sua vez, os operários da antiga usina de madeira, que foi fechada em 2003 depois de mais de um século de atividade, se dizem saudosos dos bons velhos tempos em que uma única companhia proporcionava um emprego vitalício para todos os habitantes.

Kelly Claro é uma prima germana de Debra Anderson. Ela é também uma militante pró-Nestlé encarniçada: "O meu marido trabalhou durante trinta anos em McCloud, mas agora, ele é obrigado a se deslocar todo dia até uma outra fábrica, que fica a 35 km daqui. Se a usina da Nestlé for aberta num dia desses, ele será o primeiro a apresentar sua candidatura a uma vaga. O mesmo acontece comigo: eu tenho dois empregos de meio-período, como motorista de ônibus e como balconista na quitanda do meu pai. Tudo isso é estafante. Com um emprego estável na Nestlé, a US$ 10 por hora trabalhada e mais as vantagens sociais, eu viverei melhor".

Desde então, Debra e Kelly não se encontram mais. De fato, a cidade está dividida em dois campos. Querelas chegam a ser travadas no meio da rua, brigas ocorrem entre os membros de uma mesma família, amigos de infância estão brigados entre si para sempre, comerciantes que atuam numa mesma vizinhança intentam processos caríssimos uns contra os outros por motivos fúteis. Por ocasião das mais recentes eleições locais, os pró-Nestlé venceram com mais de 60% dos votos, mas a mobilização dos adversários da multinacional permanece intacta.

Cansada desta guerra, a Nestlé anunciou no início do ano que o seu projeto havia sido revisto, e apresentou novas metas, mais modestas: a usina de McCloud será três vezes menor do que a previsão inicial, e serão criados apenas 90 empregos. Então, em julho, a multinacional cancela o contrato com a municipalidade e comunica aos membros atordoados do conselho municipal que ela está disposta a retomar as negociações do zero.

Os anti-Nestlé já se mostram confiantes de que a vitória está próxima. Daqui para frente, o seu combate está sendo acompanhado e apoiado por muita gente, inclusive de fora da Califórnia, porque casos quase idênticos vêm ocorrendo por todo o território dos Estados Unidos. No Wisconsin, duas associações de moradores, uma democrata e a outra republicana, celebraram uma aliança para impedir que a Nestlé construa uma usina de água engarrafada, e acabaram ganhando o processo. No Michigan, uma coalizão de associações locais e de grupos anti-globalização liberal tentou fazer o mesmo, mas fracassou depois de uma batalha feroz contra os políticos e os funcionários públicos pró-Nestlé. No Maine, onde a Nestlé comprou a companhia local de água mineral Poland Springs, uma associação de moradores vem lutando para impedir que a multinacional amplie suas instalações.

A Nestlé não é a única companhia visada. Em Barrington, no Estado do New Hampshire, uma associação batizada de SOG (Save our Groundwater - Salvemos nosso lençol de água) vem travando uma batalha contra a construção de uma usina de água engarrafada pela companhia americana USA Springs. A fundadora da SOG, Denise Hart, conseguiu obter o apoio em prol da sua causa de vários conselhos municipais do condado, de dois escritórios de advocacia e dos veteranos militantes antinucleares. Depois de uma guerrilha político-judiciária que durou mais de sete a[Fwd: nos, a USA Springs acaba de ser declarada falida judicialmente. O canteiro de obras da usina está abandonado, e a sua imensa armação metálica, que foi erguida no meio de um gramado, começou a enferrujar.

Nesse meio-tempo, o combate transformou-se numa disputa política em nível nacional. Dennis Kucinich, um representante democrata do Ohio no Congresso, organizou em dezembro de 2007 uma série de reuniões dedicadas ao problema da privatização da água, no âmbito de uma comissão da Câmara dos representantes. Ele também convidou militantes de diversas organizações a comparecerem em Washington. Estes puderam se familiarizar com as esferas de decisão, conheceram influentes políticos da capital e criaram uma rede informal.

A batalha contra a água engarrafada está se desenvolvendo também na outra extremidade da corrente, do lado dos consumidores. Grupos de ecologistas e de militantes da esquerda alternativa empreenderam campanhas que visam a convencer os americanos a beberem água da torneira. Os prefeitos de várias grandes cidades, de San Francisco a Minneapolis, proibiram que os serviços municipais comprassem garrafas de água mineral. Na Califórnia, muitos restaurantes antenados pararam de vender toda e qualquer água engarrafada, enquanto Igrejas protestantes recomendam aos seus paroquianos que evitem comprar esse tipo de produto. Nos campi das universidades, militantes organizam degustações para provarem para os estudantes que a água da torneira é tão boa quanto a água engarrafada.

Até o presente momento, o impacto sobre as vendas não se fez sentir verdadeiramente, enquanto os gigantes do setor como a Nestlé, a Coca-Cola ou a Pepsi Co celebraram acordos para lançarem contra-ofensivas por todos os lados. Contudo, os militantes de McCloud têm o sentimento de fazerem parte de um movimento irresistível. Militantes de países da Europa e do Terceiro Mundo os contatam por meio da Internet, e Debra Anderson está prestes a se tornar uma estrela internacional: "Alguns eleitos locais de uma região rural da Índia visitaram os Estados Unidos para divulgar seu combate contra uma usina de água engarrafada que pertence à Coca-Cola, e eles esticaram a sua viagem até McCloud, para nos conhecerem. Eles nos deram os parabéns! Depois disso, nós temos a obrigação de lutar até o fim".

Tradução: Jean-Yves de Neufville